A inteligência artificial da contabilidade

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Por Marcelo Souza
Coordenador do Skylab e Professor na Faculdade FIPECAFI

A tecnologia possui um grande poder disruptivo e a história apresenta diversos pontos de inflexão causados por novos processos ou ferramentas aplicadas às áreas do conhecimento. O Renascimento (séculos XIV a XVI) nos mostrou inúmeros exemplos que alteraram profundamente, e de forma irreversível, a sociedade da época. Nas artes, a perspectiva gráfica trouxe o plano tridimensional e com ele a “Entrega das chaves a São Pedro” de Perugino; o estudo de anatomia, realizado por Leonardo da Vinci, elucidou o formato de funcionamento dos órgãos humanos; no comércio as caravelas alargaram as fronteiras do mundo e alteraram os estoques disponíveis para vendas; mas foi a prensa, criada por Gutenberg, o artefato tecnológico mais icônico para o mundo dos negócios. Sua existência permitiu a impressão, para comercialização, de aproximadamente mil cópias da “Summa de arithmetica, geometria, propori et proporcionalita”, de Luca Pacioli, contendo a maior e mais disruptiva tecnologia ligada ao controle patrimonial, as partidas dobradas. A prensa, assim como Pacioli, não inventou as partidas dobradas, mas sem a prensa, nossa sociedade não teria presenciado a mesma trajetória de evolução nos últimos 500 anos. As partidas dobradas, defendidas como condição sine qua non para existência e sustentação do capitalismo, carregam, em sua simplicidade e elegância, toda a lógica das relações econômicas e financeiras do mundo capitalista. A estrutura e utilização do débito e crédito são as mesmas, não importa o local, o idioma, o montante ou tempo em que a transação ocorra. O único requisito é o caráter monetário do registro.

Quando analisamos as partidas dobradas pela ótica tecnológica, ficamos tentados a traçar um paralelo entre a simplicidade do Débito e Crédito à precisão do código binário computacional. Nessa feita encontramos algumas similaridades e algumas diferenças operacionais e históricas. O sistema binário, divulgado – e provavelmente não inventado – por Leibniz, quando aplicado à computação, assume que em um determinado instante, uma referida posição (transação) é representada ou pelo zero ou pelo um. Já no sistema de partidas dobradas, em um determinado instante, uma referida transação (posição) é representada por, pelo menos, um débito e um crédito. Nos dois casos o conceito de instante remete a ideia de algo fixo em um momento anterior ao observado, ou seja, só registro aquilo que já ocorreu, a operação já ficou no passado. Os computadores possuem estruturas complexas, tais como sistemas operacionais, tendo como base o sistema binário, da mesma forma a contabilidade gera relatórios, controles, planejamentos e estratégias totalmente alicerçadas sobre as partidas dobradas.

Apesar das similaridades devemos ter cuidado ao insinuar que as partidas dobradas são, para o mundo dos negócios, o código binário dos sistemas computacionais. Mas se aceitarmos, ainda que por um instante, essa insinuação, uma pergunta válida seria: o que é a inteligência artificial da contabilidade?

Não é possível negar o poder disruptivo da inteligência artificial na sociedade moderna. Encontramos, novamente, impactos em diversas áreas, tais como nas artes, na medicina, na economia, entre outras. Em linhas mais amplas, um sistema computacional contendo inteligência artificial possui funções que imitam, ou emulam, a inteligência humana. Esses sistemas, em alguma medida, podem executar funções típicas de um ser humano, porém com todas as vantagens do poder computacional.

Voltando às partidas dobradas, emular as capacidades cognitivas poderia gerar um sistema de contabilidade que avalie, antes da ocorrência, o resultado futuro de uma transação econômica, considerando resultados sociais, ambientais e culturais, decidindo se a transação deve ou não ser executada, ou registrada? Talvez, de forma não excludente, um sistema de contabilidade que gerencie todo os sistemas bancários e de mercados de capitais, limitando e distribuindo riqueza entre pessoas governos e organizações?

Certamente não foi simples o processo de evolução desde Leibniz até a Tesla e não será fácil ampliar, ainda que para partidas triplas, o trabalho de Pacioli. Entretanto, se você aprendeu o débito e crédito e se você conhece as linguagens contábeis como IFRS, orçamento, tributária; aprenda o sistema binário e, o quanto antes, seja fluente em Python, C++ ou outra linguagem de programação. Vamos fazer do computador a nossa prensa de Gutenberg.

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