As bases sociais da dignidade

Foto: Outras Palavras

Por Felipe Bismarchi, Professor na Faculdade Fipecafi

Esta semana foi divulgado, entre tantas notícias já alarmantes, que mais de 33 milhões de brasileiros passam fome todo dia e que mais da metade dos mais de 211 milhões de brasileiros vivem em insegurança alimentar, sem saber se terão como fazer ao menos uma refeição. Regredimos mais de 30 anos neste quesito. Este cenário terrível nos traz à reflexão sobre dignidade: o que significa uma vida digna? Como garanti-la a todas as pessoas no mundo?

É a partir desta reflexão que se constrói a parte interna do Donut que temos conhecido nas últimas semanas em nossa coluna. O anel interno do donut apresentam as bases sociais para assegurar o mínimo de dignidade a toda pessoa: acesso à água (e saneamento), alimento, saúde, educação, renda e trabalho, paz e justiça, voz política (democracia), igualdade social, igualdade de gênero, habitação, redes (de informação e apoio social) e energia.

Nenhuma pessoa deve ficar excluída do acesso a cada um destes componentes do alicerce social de uma comunidade (seja ela local, nacional, regional ou global) e as maneiras de prover este alicerce transcende a capacidade dos mercados que não tem conseguido no esquema convencional existente garantir a distribuição justa e adequada de cada um deles apesar do crescente (e hoje, suficiente) volume de produção de alimentos só para ficarmos no item que iniciou nossa conversa.

Garantir acesso a estes, chamemos, recursos de dignidade respeitando os limites biofísicos do planeta é o principal papel da economia e de seus atores no modelo do Donut adequado à nossa realidade deste século. Compartilho as palavras da Kate Raworth na página 83 do livro Economia Donut ao descrever os atores desta economia do século XXI e o papel/responsabilidade de cada um nesta “peça econômica” contemporânea: “A TERRA, que dá a vida – portanto, respeite seus limites; A SOCIEDADE, que é fundacional – portanto, alimente suas conexões; A ECONOMIA, que é diversificada – portanto apoie seus sistemas; O AGREGADO FAMILIAR, que é nuclear – portanto, valorize sua contribuição; O MERCADO, que é poderoso – portanto, integre-o com sabedoria; OS BENS COMUNS, que são criativos – portanto, libere seu potencial; O ESTADO, que é essencial – portanto, torne-o responsável; AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, que estão a serviço – portanto, faça-as servir à sociedade; AS EMPRESAS, que são inovadoras – portanto, dê um propósito a elas; O COMÉRCIO, que tem dois lados – portanto, torne-o justo e; O PODER, que permeia tudo – portanto, vigie seus abusos”.

Todos os atores que estão nesta peça são responsáveis pela geração dos insumos necessários para prover de forma plena e justamente distribuída estes recursos de dignidade para que cada pessoa possa manifestar sua existência de maneira plena, livre e ao mesmo tempo conectada e integrada aos tecidos sociais e ambientais nos quais está imersa. A maneira de perceber, constituir e articular as interações de cada um destes atores no Donut está em construção neste momento e cada um de nós é fundamental porque somos nós que desempenhamos os papéis descritos em nossas existências plurais e dialógicas como diz o brilhante Edgar Morin que completa 101 anos no próximo mês. Quais destes papéis do “teatro econômico” você já conhecia? Você sabe qual a diferença que estes personagens assumem na “peça do Donut” em relação à “peça clássica” que ainda está em cartaz? Com quais você se identifica? Quais você encena diariamente? E como você as encena? Compartilhe conosco! Faça parte desta construção!

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