Reconhecimento de ativos fiscais: diálogo entre CPC jurídico e CPC contábil

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Por Edison Carlos Fernandes
(Sócio Fundador da FF Advogados e Professor da FEA/USP

Depois de praticamente um ano e meio sofrendo os efeitos da pandemia do coronavírus, os executivos estavam ansiosos para aumentar o resultado das empresas que administram, melhorando, dessa forma, o seu patrimônio líquido. Nesse período, quem “ajudou” nesse objetivo foi o Supremo Tribunal Federal – STF.

Duas importantes disputas tributárias foram resolvidas de maneira definitiva pela Corte Suprema: a exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS/COFINS e a não incidência de IRPJ/CSLL sobre os juros SELIC. Nesses dois casos, com a decisão favorável aos contribuintes, as empresas tiveram direito de recuperado os respectivos indébitos tributários, o que representa o reconhecimento de ativo fiscal, particularmente nos relatórios financeiros. Terminada a disputa judicial, teve início acalorado debate profissional e acadêmico sobre o momento do reconhecimento desses ativos fiscais.

Em ambos os casos, o primeiro ponto de discussão refere-se à abrangência da decisão do STF, vale dizer, se a posição final adotada valeria para toda e qualquer empresa contribuinte ou tão somente para aquelas que pleitearam judicialmente o direito. Esse ponto deve ser avaliado à luz do Código de Processo Civil de 2015 – o “CPC jurídico”. Teoricamente, as decisões do STF nos mencionados casos foram tomadas em sede de “repercussão geral”, o que significa que essa decisão deve ser adotada por todos os membros do Poder Judiciário, ou seja, juízes de primeira e segunda instâncias. No entanto, não se pode confundir com o chamado efeito “erga omnes”, isto é, para todos, das decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade, por exemplo. Em primeiro lugar, então, para a avaliação do crédito fiscal, é imprescindível o andamento da medida judicial própria de cada empresa, se houver.

No que diz respeito à exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS/COFINS, há certo consenso na aplicação do Pronunciamento Técnico CPC 25, na disciplina sobre ativos contingentes. Os respectivos créditos fiscais somente poderão ser reconhecidos nos relatórios financeiros quando forem praticamente certo. Em alguns casos, basta a decisão do STF para configurar o direito praticamente certo; em outros, será necessário aguardar pelo trânsito em julgado da decisão judicial individual da empresa; em outros, ainda, demanda-se o conjunto dos documentos comprobatórios do crédito fiscal. Também aqui, a situação particular de cada empresa pode influenciar o reconhecimento contábil dos ativos fiscais.

Mas o grande debate mesmo foi provocado pela decisão sobre a não tributação dos juros Selic. De início, porque a posição final da Suprema Corte alterou significativamente o entendimento que vinha sendo adotado; depois, abriu-se a discussão sobre qual norma contábil deveria ser aplicada: o mesmo CPC 25, por se tratar de ativo contingente, ou o CPC combinado com a ICPC 22, por se tratar de crédito relativo aos tributos sobre o lucro. Enquanto o primeiro, como comentado, exige o direito praticamente certo, o segundo se limita ao provável. Dessa forma, o reconhecimento dos ativos fiscais à luz do CPC 32/ICPC 22 seria mais flexível.

Mesmo na aplicação dos CPC 32/ICPC 22, a decisão do STF exclusivamente pode não ser suficiente para o reconhecimento contábil dos ativos fiscais. Os trâmites processuais (decorrentes do CPC 2015, o jurídico) devem nortear a avaliação sobre a pertinência dos créditos fiscais. Por exemplo: empresa que tenha decisão desfavorável em instâncias inferiores do Poder Judiciário – que pode acontecer, já que houve mudança de entendimento – deverá aguardar até que algum órgão judicial reverta sua decisão particular, no sentido de assegurar o direito à recuperação do indébito tributário.

Acontece que a interpretação das normas contábeis parece direcionar para a aplicação do CPC 25, mesmo que o crédito fiscal tenha a natureza de tributos sobre o lucro. Isso porque os CPC 32/ICPC 22 disciplinam a apuração e a provisão dos tributos sobre o lucro, corrente e diferido, isto é, presente e futuro. A recuperação de indébito tributário refere- -se ao passado: os tributos sobre o lucro que foram recolhidos indevidamente. Trata-se de recuperar recursos financeiros por meio de medidas judiciais, em outras palavras, ativos sujeitos a eventos futuros e incertos. Portanto, trata-se de ativos contingentes, ainda que relativos aos tributos sobre o lucro.

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