Quando empreender não é sonho, é necessidade: o dilema dos jovens no século 21

Por Cíntia Araújo

Muito tem se falado sobre o comportamento dos Millennials e da Geração Z[1]: suas perspectivas de vida, sua intimidade com a tecnologia, seu alto consumo de conteúdo digital e sua relação com as redes sociais.

Inclusive, há dois anos, foi realizada uma pesquisa cujo objetivo era entender melhor o modo como estas duas gerações pensam sobre a vida, o trabalho e o consumo. Tal pesquisa teve achados interessantes como que, ao contrário das gerações anteriores, os indivíduos destes dois grupos têm pouco interesse em engajar-se em trabalhos muito intensos pelo interesse exclusivo em ganhos financeiros e materiais. Por outro lado, são competitivos e anseiam por novidades e rápido crescimento profissional. Outro achado relevante é a vontade destes jovens em contribuir para causas ligadas a interesses públicos e globais e a facilidade em trabalhar de forma colaborativa[2],[3].

Outros achados desta pesquisa são dignos de nota. Porém, três achados são de extrema relevância para a reflexão de hoje: i. os jovens das gerações Z e Y correspondem a maioria da população brasileira[4]; e ii. os Millenials são 50% da força de trabalho; iii. apesar do que muitos creem, estes jovens têm vontade de ter sua casa, seu carro3.

Daí, pensamos: como os jovens têm lidado com seus anseios e objetivos em tempos de instabilidade financeira e escassez de vagas de trabalho? Para ajudar a responder tal questão trago outros dados. Segundo dados do IBGE[5], referentes ao 4º trimestre de 2022, do total da população em idade de trabalho (a partir dos 14 anos), 8,6 milhões estão desocupados; outros 21,3 milhões estão subutilizados, ou seja, gostariam/precisariam trabalhar mais horas para obter a remuneração necessária para manter padrão de vida ou subsistência; e outros 4 milhões já desistiram de procurar emprego por acreditar que não conseguirão mais ser contratados. 

 É impossível “cruzar” os dados citados acima sem ficarmos, no mínimo, preocupados. Sim, os jovens querem atuar em oportunidades que proporcionem melhor qualidade de vida, comprar bens materiais e/ou contribuir para construção de um mundo melhor. Mas, onde?

Sejamos atentos: as manchetes dos portais de notícia ressaltando o “lado positivo” dos índices de desemprego, escondem a realidade dos dados, o “desemprego oculto”[6]. Além dos quase 9 milhões de efetivamente desempregados, há mais 4 milhões desalentados e outros mais de 20 milhões trabalhando em vagas que não extraem todo seu potencial (os subutilizados). Ademais, dentre a força de trabalho ocupada, 13,2 milhões trabalham sem carteira assinada; 25,5 milhões trabalham por conta própria, e o dado aterrador: 38,6 milhões de pessoas atuam na informalidade!

Daí, como respondemos a jovem citada em uma interessantíssima reportagem da UOL cujo sonho é trabalhar com “carteira assinada, plano de saúde e INSS”[7]?

Arrisco-me a afirmar que a maioria dos jovens empreendem, não por escolha, mas por necessidade. Necessidade de complementar renda familiar, necessidade de conseguir remuneração, mesmo que mínima, para garantir sua subsistência e a dos seus. Arrepio-me ao ver a o termo “empreendimento by necesssity”, numa tentativa de romantizar ou monetizar uma realidade complexa e urgente como a desocupação/subocupação de uma grande massa da força de trabalho representada pelos jovens.

O buraco é muito mais embaixo que “by necessity”.

“O desemprego em massa e a subutilização da força de trabalho é um fenômeno que agride os direitos humanos e também compromete o desenvolvimento das nações” (Alves, 2023)[8].

 Nosso país está perdendo uma oportunidade única, que provavelmente não se repetirá. Experimentamos o bônus demográfico, período em que a proporção de pessoas em idade de trabalho está em seu pico, enquanto a proporção de pessoas abaixo da idade de trabalho ou menos produtiva (crianças e idosos) está em seu ponto mínimo8.

Infelizmente, o país não está tirando proveito deste momento crucial. Para tal, faz-se necessário investimentos de infraestrutura, na indústria nacional, reconstrução socioambiental, além da participação ativa da sociedade civil e empresariado.

O verdadeiro empoderamento dos jovens só será alcançado com autonomia financeira proveniente da educação, capacitação de qualidade e acesso a benefícios cruciais para uma vida de qualidade. Os jovens, assim como os trabalhadores de todas as idades, precisam de garantias e assistência à saúde, subsistência digna, políticas/programas de qualidade de vida e previdência, para que possam trabalhar sem medo de ficarem doentes e com a certeza de que terão uma velhice digna e no mínimo satisfatória.


[1] Quando falamos dos Millenials (ou Geração Y), referimo-nos aos nascidos entre 1981 e 1996; quando falamos da Geração Z, aos nascidos entre 1997 e 2010

[2] Redaçao. (2021, March 9). Geração XYZ: características e como aprendem. BEI Educaçao. https://beieducacao.com.br/geracoes-x-y-z-e-alfa-como-cada-uma-se-comporta-e-aprende/

[3] Gil, M. A. (2019, September 24). Millennials já são maioria da população do país e 50% da força de trabalho – Época Negócios | Empresa. Época Negócios. https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2019/09/millennials-ja-sao-maioria-da-populacao-do-pais-e-70-da-forca-de-trabalho.html

[4] Divisão entre gerações: Baby Boomers (nascidos entre 1946-1964), 16% da população; Geração X, 26%; Millen

nials, 34%; Geração Z, 24%.

[5] Desemprego | IBGE. (2023, January). IBGE. https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php

[6] Mota, C. v. (2021, May 3). O exército de 5,9 milhões de “desempregados” de fora do índice oficial – BBC News Brasil. BBC News Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56953732

[7] Tenho 31 anos e ainda sonho com carteira assinada, plano de saúde e INSS

Redaçao. (2022, August 9). Tenho 31 anos e ainda sonho com carteira assinada, plano de saúde e INSS. UOL. https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/08/09/brasileiros-sonham-com-carteira-assinada.htm

[8] Alves, J. E. D. (2023, February 6). Brasil continua subutilizando sua força de trabalho. ECODEBATE. https://www.ecodebate.com.br/2022/03/23/brasil-continua-subutilizando-sua-forca-de-trabalho/