Tokenização de ativos e a Web 3.0: revolução, utopia futurista ou mais uma bolha?

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Por Sonia Rosa Arbues Decoster

Scio me nihil scire, ou só sei que nada sei, é a sensação de ignorância permanente na era em que vivemos. A volatilidade do mundo contemporâneo e o avanço das inovações tecnológicas são inexoráveis, não nos permitindo dedicar um tempo para assimilar as mudanças. As plataformas digitais vêm remodelando constantemente as atividades organizacionais e, quando nos debruçamos especificamente no segmento financeiro, a disrupção é ainda mais revolucionária, pois as plataformas tradicionais confiam pesadamente nas inovações em pagamento para estimular as trocas entre usuários. Como exemplo, podemos citar a tecnologia blockchain que apresenta um potencial disruptivo gradativo ao oferecer uma solução por meio da tokenização. 

A tokenização de ativos é uma expansão da tecnologia blockchain que permite que os ativos digitais possam ser comprados, vendidos e negociados por meio da blockchain. Digitalizar ativos reais auxiliará na criação de um sistema financeiro e de investimentos mais transparentes e acessíveis. Esta é a promessa. Entretanto, a tokenização de ativos relacionados ainda está em fase prematura e há obstáculos que são necessários de serem superados antes que sua adoção seja amplamente difundida. 

O que seria a tokenização? Poderíamos tentar definir a tokenização como um processo de transformar ativos físicos ou produtos financeiros tradicionais em ativos digitais, facilitando a negociação entre as pessoas e empresas, oferecendo novas soluções para o negócio. Em teoria, poderíamos “tokenizar” qualquer coisa, pois qualquer ativo pode ter sua versão digital, de forma que o questionamento residiria em como isto seria feito e para qual finalidade. Claro que, adicionalmente, o ativo a ser “tokenizado”, dependendo de qual seria, estaria sujeito a regras de órgãos reguladores, ou seja, o contexto também seria uma variável.  

O conceito de ativos é tudo aquilo que possui valor e pode ser negociado e convertido em dinheiro, já os ativos digitais são as representações virtuais desses itens, permitindo que eles sejam transferidos, comprados, vendidos e armazenados digitalmente. Apesar do Pix representar uma forma de pagamento instantâneo já existente em outros países, este é o nosso melhor exemplo de tokenização, pois além de temos o dinheiro de forma digital, conseguirmos realizar operações de compra e de pagamento sem precisar usar o dinheiro físico, a forma é muito rápida e transparente, sem intermediação, peer to peer.

A tokenização funciona mediante o fracionamento, propriedade considerada positiva na democratização do investimento digital em partes menores, as quais são chamadas de token, de forma mais segura e com menor custo, representando um certificado digital. Antes de ser emitido, é estruturado juridicamente de uma forma que possa ser distribuído entre diferentes pessoas, e dessa forma, comprados, vendidos ou armazenados. As vantagens são direcionadas para quem emite o token, contando com uma maior autonomia e liquidez para distribuir e negociar seus bens, não precisando de uma entidade central para a sua intermediação. Todos os processos burocráticos existentes em outros investimentos tradicionais não existem na tokenização, como também não apresenta os problemas com horário bancário, por funcionar 24 horas nos 7 dias da semana, sendo negociados de forma instantânea, apresentando a faculdade de ser ubíquo.

Duas grandes vantagens frequentemente lembradas são a viabilização de participação de governança e pagamentos automatizados de dividendos – que podem ser embutidos nos smart contracts (contratos inteligentes), adicionalmente à redução de custos das empresas emissoras. A outra vantagem da tokenização dos ativos é a de promover inclusão financeira para aqueles que não têm muito conhecimento em finanças, agilizando processos e permitindo uma nova perspectiva ao ligar com o negócio e o patrimônio. 

Como o token é a representação digital de alguma ativo financeiro real, ou seja, de algum bem que possua valor de mercado, os bens podem ser vários, como uma moeda, um objeto, um imóvel ou até mesmo uma música. Existem muitos tipos de token, como tokens de segurança, token de utilidade, token de pagamento, os NFTs (tokens não fungíveis), entre outros. Pode-se também “tokenizar” uma dívida, criando um token precatório, os títulos são divididos em várias partes e permitindo assim a negociação dos direitos sobre as dívidas públicas judiciais, com um valor abaixo que nos bancos tradicionais. Ou ainda, “tokenizar” os direitos autorais de uma música, você pode negociar esse direito digitalmente por meio da Blockchain, com qualquer pessoa do mundo e a qualquer hora, proporcionando maior liquidez. Nesse caso os tokens representam posse sobre parte dos royalties das obras. Com isso o investidor terá uma renda mensal, durante um período pré-estabelecido, e no final resgata esse valor vendendo o ativo ao fim da operação.

A questão da segurança pode ser encaminhada com o security token que é baseado em ativos securitizados, que viabiliza a possibilidade de vendê-los no mercado com ágio ou deságio, propiciando um retorno ao comprador. Ao trabalhar com ativos securitizados será necessário saber que são os detentores para garantir os direitos ao processo de tokenização, fazendo-se necessário verificar tanto a companhia que realizará o processo jurídico e de governança da tokenização, como também definir bem o ambiente no qual seu security token será negociado.

As principais diferenças entre token e criptomoeda são a forma com que são criados, os objetivos de cada um e as funções que desempenham. Os tokens são desenvolvidos de forma relativamente simples por quem possui conhecimentos em programação. Já as criptomoedas são bem mais complexas de serem criadas. Para se criar tokens utiliza-se o padrão ERC-20, da moeda Ethereum, a 2ª criptomoeda maior do mercado, vindo apenas atrás da Bitcoin. Este modelo é considerado mais adequado para o uso da blockchain além da criptomoeda. Ou seja, os criadores da rede Ethereum estabeleceram uma base comum para a emissão de escrituras virtuais, diferentemente da Bitcoin que existe apenas como criptomoeda.  Os tokens geralmente se inserem dentro de uma Blockchain já existente de alguma criptomoeda. 

As criptomoedas sempre buscaram revolucionar o sistema financeiro, por meio da digitalização e descentralização de serviços financeiros, procurando oferecer formas mais simples e democráticas nas transações, como também uma opção para compor uma carteira de investimentos diversificada. Já os tokens, a priori, foram criados para atender funcionalidades mais essenciais e com foco na especificidade, sem a ideia precípua de revolucionar o sistema, porém a penetração das criptomoedas permitiu um avanço no desenvolvimento de tipos de tokens.

Dependendo do tipo e do ecossistema em que está inserido, o token pode ter diferentes funções, e uma das principais é o funcionamento das DApps, que é um aplicativo descentralizado que roda dentro da Blockchain. Desta forma, visualizamos o que se convencionou chamar Web 3.0, a internet dedicada à descentralização da internet que se move do ambiente em que grandes instituições possuem o monopólio para outro no qual a rede é construída para permitir que os usuários tenham controle sobre os seus próprios dados. São vários os exemplos de DeFI, que representam o espírito da Web 3.0, em que temos o caso da Compound, que concede empréstimos em cripto, propiciada pelos clientes que depositam suas criptos lá em troca de juros como qualquer banco, a sua gestão é baseada em IA, e a abertura de conta é viabilizada por uma carteira digital. 

O ano de 2022 vem registrando uma quantidade de fintechs que se denominam tokenizadoras. Podemos citar a AmFi, fintech de infraestrutura de crédito baseada em tecnologia blockchain. AmFi é um acrônimo para Amphibious Finance, a qual seria uma transição entre dois mundos, o meio aquático e o terrestre e procura fazer uma analogia entre as finanças centralizadas e as descentralizadas (FintechsBrasil, julho 2022).

As fintechs originam digitalmente suas operações de crédito, mas a distribuição para o mercado de capitais se dá manualmente de forma burocrática. Sendo assim, a AmFi codifica, viabilizando o processo on-line e digital, usando a blockchain como infraestrutura e as transações ocorrem por meio dos smart contracts. A AmFi conecta as fintechs que atendem PMEs a investidores institucionais, financiados por stablecoins, e que têm como garantia ativos financeiros tradicionais, como as duplicatas ou recebíveis de cartões. O que pode se depreender é que há um interesse dos empreendedores que visualizam a tecnologia do Blockchain, ou seja, a tokenização como a evolução natural do sistema financeiro. Seria utópico este pensamento?

A Gartner sinaliza que 20% das grandes organizações usarão moedas digitais para pagamentos, armazenamento de valores ou como garantia até 2024.Pesquisas apontam que nos EUA, 47 % dos Family offices já direcionam investimentos em ativos digitais, ou seja, há potencial. Segundo Alexandre Versignassi (VC S/A, 2022), a bolha existe, porque quem utiliza os serviços da Compound, por exemplo, tomando empréstimos, compra mais ETH, inflando a demanda de cripto, que por tabela inflaciona o preço, retroalimentando o processo, ou seja, a especulação das DeFi faz o preço subir. Se fizermos um paralelo, seria o mesmo risco de quando do advento massivo da internet nos anos 2000, apostando apenas em alguns provedores. Entretanto, a única certeza que se tem é que tudo ficará extremamente mais simples, por conta do ecossistema baseado em uma mesma rede de blockchain, como uma criptomoeda para a compra de um ativo e a documentação de registro efetuada por um smart-contract.