Sobre planejamento e política econômica

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Por Diogo Carneiro

Por que a falta de pensamento de longo prazo atrapalha a economia

Planejar significa decidir. Deve ser o momento em que as decisões mais importantes são tomadas, ficando para depois apenas a execução das escolhas e alguns ajustes de rota em função dos inevitáveis desafios que surgem ao longo do tempo.

Ainda mais importante do que planejar é ter uma visão de longo prazo, ou seja, estabelecer objetivos claros a serem perseguidos, de preferência com metas concretas. É isso que vai orientar o caminho a ser trilhado e determinar as prioridades nas escolhas a serem realizadas.

Uma visão de longo prazo, com objetivos bem definidos e um plano de ação descrevendo as escolhas realizadas são o esteio firme que deve sustentar toda a trajetória a ser seguida. São estes elementos que definem a própria identidade de uma instituição e cumprem o papel de comunicar o que realmente importa para ela.

Ah, mas o entusiasta da área de inovação mais familiarizado com as modernas práticas de gestão das startups pode dizer que o planejamento já não é mais tão importante: as organizações devem se reinventar cada vez mais rapidamente de acordo com as respostas fornecidas pelo mercado. Nesse contexto, flexibilidade e dinamismo são as palavras de ordem.

Isso tem se mostrado verdade quando o objetivo é validar novas ideias de negócio sob condições de severa incerteza, quando não se conhece o impacto das inovações e as reações a ela. Mesmo assim, a visão de longo prazo permanece importante para orientar o caminho. São os ciclos de planejamento que ocorrem de forma mais acelerada.

Pensando na economia, pouca coisa é mais estável e previsível do que os fatores que determinam os gastos públicos. As demandas sociais e os desafios que afligem o país são profundamente conhecidos, e resolver estes problemas são os grandes objetivos das políticas econômicas. Os recursos que estão disponíveis já são dados de antemão, assim como seus custos e as estimativas das receitas que devem fazer frente a tais gastos.

Mesmo com essa previsibilidade, ainda existe alguma aversão ao planejamento. Há economistas e críticos que associam o planejamento ao desenvolvimentismo. Para eles, uma economia verdadeiramente liberal deve se autorregular, tornando o planejamento menos relevante.

Ocorre que um bom planejamento não é nem de longe uma política anti-liberal, mas uma forma de indicar os pontos importantes e a forma como se pretende enfrentá-los. Alguns itens são urgentes e devem figurar como prioridades em qualquer pauta econômica. Temas como a redução da pobreza e da desigualdade, as questões ambientais, a reforma tributária e o próprio crescimento econômico devem nortear a elaboração de políticas econômicas, que devem ser coordenadas em direção aos grandes objetivos estabelecidos.

No entanto, o que tem ocorrido é a limitação da discussão destes assuntos a um nível apenas gerencial. A visão gerencial implica na mobilização dos recursos existentes para buscar atingir as metas de sempre, apenas de forma mais eficiente. O que se busca é fazer mais com menos. 

No entanto, o que se espera de uma boa gestão é uma visão mais estratégica. A administração estratégica requer a reorganização dos recursos disponíveis e a busca por novos meios antes inexistentes, desenvolvidos com o propósito de alcançar objetivos ainda mais desafiadores. Busca-se não apenas olhar para as metas de sempre, mas enxergar além, modificando o posicionamento da entidade e a sua postura diante dos desafios.

Os objetivos mais desafiadores e os meios a serem desenvolvidos para perseguir as novas metas são as escolhas feitas pela entidade. São estes aspectos que representam a estratégia e condicionam o planejamento e a execução.

Figura 1. Comparação entre pensamento gerencial e pensamento estratégico

Fonte: Adaptado de Sarasvathy (2001)

O planejamento orçamentário indica, em linhas gerais, como isso deve ser perseguido pelo governo. No Brasil, existe uma sólida estrutura legal para estabelecer as diretrizes do gasto público. Em primeiro lugar, existe um Plano Plurianual (PPA), que estabelece as grandes obras públicas e outros elementos de gasto em uma visão de médio prazo, contemplando um período de quatro anos. Deveria refletir uma visão mais estratégica da gestão pública, inclusive contemplando período que vai além do mandato do governo – o PPA é feito no primeiro ano do governo e estabelece diretrizes até o primeiro ano do mandato seguinte.

Uma vez definido o PPA, existe uma Lei anual que indica as prioridades do governo para o próximo ano, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Trata-se de um ajuste das metas de longo prazo para a elaboração do orçamento propriamente dito, já que a LDO delimita o que deve ser realizado no próximo período. Finalmente, as diretrizes são concretizadas no orçamento propriamente dito, que ganha forma na Lei Orçamentária Anual (LOA), que determina quanto gastar em cada rubrica.

Note-se que a estrutura prevê mecanismos de ajuste para o caso de situações absolutamente imprevistas – a exemplo do que houve na epidemia de Covid-19. Existem alternativas que permitem gastos diferentes daqueles previstos, como em casos de calamidades e os chamados “Créditos Extraordinários”. São ferramentas específicas e importantes para ajustar a rota e adequá-la à realidade diante de eventuais incertezas.

Contudo, a essência deveria ser mantida sempre, preservando e defendendo a visão de longo prazo e os objetivos mais importantes elencados pela administração. Os programas deveriam ser consistentes ao buscar resolver dos anseios da população, além de serem repetidamente comunicados e reafirmados para aumentar sua credibilidade.

A economia depende de estabilidade. Circunstâncias ruins podem ser precificadas e incorporadas nas decisões dos agentes econômicos. Em outras palavras, o “mercado” sempre se adapta – o mercado nada mais é do que o conjunto de tomadores de decisão a respeito da alocação dos recursos econômicos.

Quando há elevada instabilidade ou incerteza, o risco é precificado e embutido na taxa de juros exigida para se emprestar recursos. Em termos práticos, quando não se conhecem os rumos que serão tomados, a incerteza aumenta, é quantificada em risco e os juros aumentam: a Selic sobe, tornando a dívida pública mais cara.

Além disso, as decisões mais importantes dos agentes econômicos dependem de alguma estabilidade: as regras devem ser claras! Quando não há visão de longo prazo, ou seja, um planejamento sério e consistente por parte do governo, perseguido com estabilidade e seriedade, o mercado trava.

Se não existe previsibilidade, não há que se falar em política econômica efetiva. O mercado simplesmente não reage. Credibilidade é tudo. E é exatamente o oposto do que o Brasil tem feito. Apesar da competência dos quadros técnicos, o direcionamento político é absolutamente errático. As decisões são tomadas de supetão, de forma inconsistente e sem que haja um encadeamento lógico, um eixo central que indique alinhamento das decisões em prol dos objetivos necessários ao país.

Não é à toa que a economia nacional segue claudicante. As boas notícias não duram muito tempo, logo são engolidas por novas circunstâncias que embaralham a rota e desestabilizam o avanço alcançado. O país anda em círculos em busca de algum novo voo de galinha.

O Brasil só voltará a ter política econômica eficaz quando os objetivos e os planos forem firmes, estabelecidos de forma clara e perseguidos de forma séria e consistente. Isso serve para o tripé macroeconômico, para as pautas legais a serem enviadas ao congresso e também para as políticas de fomento praticadas nos diversos níveis (por exemplo, subsídios e também a atuação do BNDES e outros órgãos). Mais planejamento e menos improvisação.