Será que já sofri algum tipo de violência?! Desmitificando as situações de assédio/violência no ambiente de trabalho e mundo corporativo

Foto: Freepik

Por Drª Cíntia Araujo, Professora e pesquisadora em Administração

Olá, pessoal. Estamos de volta com a nossa série sobre violência contra mulheres no ambiente de trabalho.

Aqui vale uma atualização sobre os supostos casos de assédio sexual ocorridos no CNJ (Conselho Nacional da Justiça) citado na última coluna. Segundo notícia do G1 do dia 6 de agosto, o órgão decidiu afastar o acusado, juiz substituto Marcos Scalercio.

            Estamos em 2022, e felizmente, o debate e a discussão sobre a violência contra mulheres têm cada vez mais espaço nas redes sociais, na academia, na mídia, na opinião pública e também nas empresas e organizações. Este cenário é muito positivo, se considerarmos os obstáculos que gerações anteriores de mulheres passaram por não ter direito à voz, e muito menos de denunciar os abusos os quais sofriam.

            Assim, cada vez mais as empresas têm implementado programas de combate, conscientização e prevenção – vamos falar mais sobre estas iniciativas nas próximas colunas.

Mas… porém… todavia…apesar deste movimento das empresas/organizações, os números de casos de violência não têm diminuído. Por exemplo, nos EUA, a renomada revista de administração e gestão Harvard Business Review relata que, mesmo em um cenário em que a maioria das empresas têm iniciativas/programas de treinamento e conscientização, 40% das mulheres relata ter sofrido assédio sexual[1]. Por aqui, a situação é bastante similar: em pesquisa de 2020[2], 40% das mulheres relatam que já foram xingadas ou foram tratados aos gritos, enquanto, somente 13% dos homens relataram ter passado por esta situação de assédio moral. Outro dado chocante, é que na percepção de maciça maioria dos entrevistados (92%) as mulheres sofrem mais situações de constrangimento e assédio no ambiente de trabalho do que os homens.

De modo algum, as diversas formas de violência no ambiente de trabalho são restritas às mulheres. Homens também sofrem violência nestes ambientes. Porém, como consequência da cultura macro na qual as empresas estão inseridas, os valores machistas são reproduzidos nestes ambientes. Assim, enquanto os homens são “naturalmente” destinados às posições de maior poder social e econômicos, as mulheres, “devem servir os homens”, inclusive como objetos sexuais. Com esta naturalização de papéis sociais, as mulheres ficam mais vulneráveis a práticas de gestão autoritária e abusiva.

            Outra consequência desta herança cultural são os mitos sobre o que é de fato assédio ou não. Muitos e muitas de nós tendemos a acreditar que tais situações são causadas por superiores. Embora, certamente, muitas das ocorrências retratam uma relação de superior-subordinada, diversos estudos indicam que muitas vezes mulheres são vítimas de violências cometidas por seus pares ou por pessoas abaixo de seu nível hierárquico[3].  

Outro mito igualmente errôneo é de que atos violentos são resultado da falta de educação/formação. Em seu artigo, Teixeira et al. (2018) relata casos de violências sofridas por mulheres em espaços ocupados por docentes e profissionais detentores de altos níveis de titulação acadêmica (mestre, doutores, pós-doutores).

A alta competitividade presente nos ambientes de trabalho estimula a necessidade de afirmação de masculinidade entre gestores e profissionais homens, fazendo com que sintam maior necessidade de autoafirmação, especialmente, ao sentirem-se (ou imaginarem) que correm o risco de perder status, poder, domínio ou posição social e econômica. Este contexto aumenta as ocorrências de violência dos homens contra mulheres[4].

            Por isso, vale a pena conferir a lista abaixo e avaliar se você já sofreu (ou testemunhou) alguma situação de violência ou assédio no seu ambiente trabalho ou empresa. Identificar um caso de violência/assédio é o primeiro passo para o combate e prevenção.

  • Seu trabalho é supervisionado excessivamente?
  • Você já foi xingado(a) ou já gritaram com você?
  • Você já recebeu convites ou insinuações constrangedoras de pessoas do sexo oposto?
  • No seu ambiente de trabalho, suas opiniões ou pontos de vista são sempre ignorados e/ou silenciados?
  • Você já recebeu elogios constrangedores de pessoas do sexo oposto por causa de seus atributos físicos?
  • Você já foi humilhado na frente dos seus colegas de trabalho?
  • Você já foi alvo de críticas ou piadas constrangedoras relacionadas à sua vida privada ou hábitos?
  • Você percebe que seu trabalho é continuamente criticado?
  • Seu/sua supervisor(a) lhe dá tarefas impossíveis de serem realizadas dentro do prazo exigido?
  • Você já foi ameaçado(a) verbalmente?
  • Você já foi discriminado(a) por sua aparência física ou idade?
  • Você já foi discriminado(a) ou constrangido(a) por sua orientação sexual?
  • Você já foi discriminado(a) e/ou constrangido por sua conduta moral (liberdade de escolha de parceiros(as))?
  • Você é ou foi constantemente criticado(a) por atrasos ou faltas ocorridos devido problemas familiares?
  • Você já foi alvo de agressões sexuais (assédio ou estupro)?
  • Você já foi discriminado(a) pela cor da sua pele?
  • Você já sofreu agressão física?

E, claro, ao final do artigo vocês encontram as fontes utilizadas. Assim, vocês podem acessar e aprofundarem-se no tema.

Por favor, compartilhem este artigo.

E claro, deem seu feedback.

Tenham um ótimo findes.

Cintia

Se você foi vítima de ou testemunhou uma ocorrência de violência? Saiba o que fazer:

Se você é a vítima…

  • Reúna provas do assédio – printscreens de conversas por Whatsapp/e-mail, bilhetes, áudios, pessoas que tenham testemunhado as ocorrências de violência que você sofreu
  • Busque ajuda de colegas (aqueles que testemunharam o fato ou que já passaram por esta situação)
  • Comunique a situação ao setor responsável na sua empresa que pode ser:
    • caso exista na sua empresa/organização, registre sua denúncia em canal específico para registros de denúncia de forma anônima
    • caso não haja um canal específico para denúncia anônima, reporte ao superior imediato do assediador e ao setor de RH
    • caso sua denúncia não seja verificada como esperado, procure o sindicato profissional, órgão representativo ou associação de classe que o(a) represente. Ex. CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil, CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo), CRA (Conselho de Administração), CRC (Conselho Regional de Contabilidade), etc.
  • Busque um(a) advogado(a) eavalie a possibilidade de ingressar com ação judicial para reparação de danos morais
  • Busque orientação psicológica

Se você testemunhou um caso de violência contra mulher/homem…

  • Ofereça apoio à vítima
  • Disponibilize-se para ser testemunha
  • Comunique o caso ao setor responsável, ao superior hierárquico do assediador(a) ou órgão representativo ou associação de classe

Nota: Adaptado de SCS-TST. (2019). Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral: “Pare e Repare” por um Ambiente de Trabalho + Positivo. p. 15

Referências

Avila, R. P. de. (2008). As consequencias do assédio moral no ambiente de trabalho. http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewArticle/3710

Dobbin, F., & Kalev, A. (2022, May). Why Sexual Harassment Programs Backfire Advances in Strategic Management View project The Israeli Diversity Index Project View project. Harvard Business Review. https://www.researchgate.net/publication/361735766

Miranda, M. (2017). Assédio sexual no meio acadêmico. Ministério Público Do Estado Da Bahia. https://www.mpba.mp.br/noticia/38781

Teixeira, C. T., Silva, C. R., Mesquita, J. S., & Rampazo, A. V. (2018). Assédio sexual no contexto acadêmico da administração: Relações de poder cotidianas sobre as quais elas já disseram, e nós amos dizer mais. E agora? V Congresso Brasileiro de Estudos Organizacionais (CBEO), 1–18.

Vieira, B. M. (2020, December 7). 40% das mulheres dizem que já foram xingadas ou ouviram gritos em ambiente de trabalho contra 13% dos homens, diz pesquisa | São Paulo | G1. G1 – São Paulo. https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/12/07/40percent-das-mulheres-dizem-que-ja-foram-xingadas-ou-ouviram-gritos-em-ambiente-de-trabalho-contra-13percent-dos-homens-diz-pesquisa.ghtml


[1] (Dobbin & Kalev, 2022)

[2] (Vieira, 2020)

[3] (Miranda, 2017)

[4] (Avila, 2008)

Contato: [email protected]