Para quem, de fato, destinam-se as demonstrações financeiras?

Investidores dizem que as divulgações não atendem às suas necessidades e os preparadores dizem que essas divulgações são muito difíceis e custosas de serem elaboradas. Se esse é o caso, por que estas divulgações são ainda realizadas? Será que as demonstrações financeiras em seu formato atual cumprem seu papel pretendido? O próprio International Accounting Standards Board (IASB – órgão responsável pela emissão das normas contábeis no padrão IFRS, atualmente utilizado em mais de 160 jurisdições) tem buscado rever como os requerimentos de divulgação são refletidos nas demonstrações financeiras. Para discutir o assunto, trouxemos Patrick Oliveira Matos, Diretor de Contabilidade na Natura & Co.

Segundo Patrick, muitos investidores e analistas baseiam suas avaliações e decisões nos relatórios da administração, earnings release, entre outros documentos preparados pela administração e que possuem uma relação direta com as informações contábeis, mas sem representar uma peça no conjunto completo destas demonstrações. “O motivo é simples, esses documentos são elaborados com um direcionamento e foco claro, que permita uma leitura compreensível e focada nas necessidades destes agentes de mercado. Por outro lado, as demonstrações financeiras são tipicamente vistas como extensas, dispersas e com linguagem pouco amigável ao leitor. Esse sintoma denota o claro descasamento entre as demonstrações financeiras no seu formato atual e a utilidade que estas informações pretendem apresentar no contexto das IFRS”.

O IASB abriu recentemente uma consulta pública de projeto que trata dos requerimentos de divulgação das IFRS, o qual tem como pano de fundo a percepção da diferença entre as necessidades dos usuários das demonstrações financeiras e as informações que são incluídas pelas requisições da regulação. O órgão identificou, inclusive, que as demonstrações financeiras comumente incluem poucas informações relevantes e muita informação divulgada de maneira ineficaz.

Matos destaca que são diversos os motivadores destes problemas de divulgação. Entre eles, o fato de que as entidades nem sempre compreendem a real utilidade das informações, tratando elaboração das demonstrações contábeis como um ato tão somente de conformidade (ou compliance) em relação a requerimentos regulatórios. “Como explícito na Estrutura Conceitual do IFRS, o objetivo do reporte financeiro é fornecer informações que sejam úteis na tomada de decisões dos usuários. Para que sejam úteis na tomada de decisão, essas demonstrações devem ser relevantes e conter fidedignamente aquilo que pretendem representar, aumentando sua qualidade e utilidade na medida em que sejam comparáveis, verificáveis, tempestivas e compreensíveis”.

Ainda segundo as determinações da Estrutura Conceitual, os relatórios financeiros são elaborados para usuários que têm conhecimento razoável das atividades comerciais e econômicas e que são diligentes em suas análises. Mesmo assim, a compreensibilidade dos temas reportados deve estar associada à devida compreensão possível que possa se esperar do leitor. Cada vez mais, busca-se evitar uma contabilidade feita apenas para outros contadores. Apesar de serem termos estabelecidos há anos pela Estrutura Conceitual, a elaboração destes relatórios dificilmente segue um roteiro que privilegie essas características. “O julgamento profissional é deixado de lado, substituído pela aplicação de um conceito de ‘checklist’ na elaboração. Uma vez que a elaboração das demonstrações financeiras é aparentemente vista como um exercício de conformidade pelos preparadores, a aplicação de um checklist permite maior facilidade no atendimento desses requerimentos. Embora não seja necessariamente um exercício prejudicial à informação, a aplicação de qualquer checklist deveria ser secundária à avaliação de relevância e materialidade pelo preparador, mas na prática não é o que se observa”, explica Matos.

Um projeto do IASB traz a proposta de direcionamento na criação de novas normas futuras em que os requerimentos específicos de divulgação atribuíveis a cada norma estarão subordinados a objetivos gerais de divulgação, os quais levariam em consideração as necessidades dos investidores. Na medida em que feedback dos investidores indique que informações específicas são relevantes, estas possuirão divulgação requerida para permitir que as necessidades específicas do investidor sejam atendidas, incluindo uma explicação sobre o que os investidores podem fazer com tais informações. “Este processo busca eliminar o descasamento entre as expectativas dos usuários e as informações reportadas e estabelecer um processo de aplicação das normas onde o cumprimento dos objetivos de divulgação pelos preparadores só possa ser atendido mediante a aplicação de julgamento, minimizando o peso de conformidade percebido e tornando mais claras as informações materiais” destaca Patrick.

Para Matos, a ideia e direcionamento do projeto são nobres, mas será difícil alcançar os benefícios de uma mudança na visão dos preparadores para a elaboração de demonstrações mais relevantes, informativas e concisas na medida em que o pragmatismo, raciocínio de conformidade e preparação de checklists se mantenham. “A participação de preparadores, reguladores e auditores nesse processo será chave para que se permita que haja a devida comparabilidade nas informações reportadas entre as entidades independentemente das jurisdições, segmentos de negócio ou mesmo auditor independente”, conclui o especialista.

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