Pandemia e transformação digital: duas faces de uma mesma moeda?

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Por Luiz Guilherme Rodrigues Antunes

Desde sempre a sociedade civil vem se transformando e, conjuntamente, a empresarial. Ao
longo dos quase três últimos centenários (a partir da primeira revolução industrial) as organizações têm passado por grandes metamorfoses, sejam elas nos processos produtivos (produção) em massa devido à energia elétrica e eletroeletrônica – segunda e terceira revolução industrial), ou na forma de se realizar as transações com os fornecedores, clientes e consumidores (e-commerce originado pela tecnologia de informação e comunicação – terceira revolução industrial). Seguindo esta tradição, e de forma mais rápida que anteriormente, há quem afirme que estamos passando por novo período de mutação, isto é, a quarta revolução industrial.

Conhecida como transformação digital, este fenômeno tem aproximado o mundo virtual ao real, de modo que as instituições têm desenvolvido, consciente ou inconscientemente, rumo à digitalização. A transformação digital tem como objetivo melhorar as organizações por meio da tecnologia de computação, comunicação e conectividade além da informação. Os exemplos tecnológicos mais conhecidos são: a robótica avançada, big data, internet das coisas (IoTs), inteligência artificial e machine larning, cloud computing e manufatura aditiva (impressora 3D), além da nano e biotecnologia. No entanto, a inserção da instituição no mundo digital vai além do investimento em novas tecnologias. Pesquisas recentes na área de gestão têm demonstrado que esforços devem ser realizados no sentido de produzir estratégias digitais e reconfigurar a estrutura organizacional.

Em outras palavras, a estratégia organizacional precisa ser repensada a luz dos novos hábitos dos consumidores e da própria inovação. Nos últimos anos, o consumidor tornou-se onipresente, competente às tecnologias de informação e multimídias (redes sociais, por exemplo). Como participantes ativos no processo de compra e consumo, dialogam frequente com seus fornecedores e suas partes interessadas, produzindo alta quantidade de informações. A geração de extensas bases de dados tem promovido, frequente e velozmente, mudanças na proposta de valor dos negócios. Como consequência à ampliação da oferta de produtos e serviços digitais, injetados como inovações, tem perturbado os diferentes cenários competitivos (brigas por vantagem competitiva).

Conjuntamente ao estabelecimento de estratégias digitais, está a necessidade de reestruturar as configurações organizacionais, através de novos processos, fluxos de informação e cultura. Neste sentido, a digitalização atua como ruptura nos moldes tradicionais da arquitetura organizacional, forçando os negócios a se conformarem sob desenhos mais flexíveis e ambidestras (capacidade de produzir inovações radicais e incrementais). Isto é, no âmbito dos processos, há surgimento de novos procedimentos para se realizar o core business do negócio e favorecer a inovação. Na gestão da informação, a organização deve aprender a lidar e salvaguardar grande volume de dados, bem como criar caminhos para a disseminação da comunicação interna e externa. Para a formação das equipes, a multifuncionalidade e competência tecnológica são tidas como base das práticas de recrutamento, seleção e desenvolvimento de talentos. Por fim, a cultura organizacional tem o papel de apoiar o processo da inserção tecnológica, acalmando os efeitos colaterais da mudança organizacional.

Tomando como certa e irremediável a transformação digital e seus impactos na sociedade empresarial (mudanças estratégicas e de estrutura), a pandemia do Covid-19 tem se apresentado como força propulsora para esta revolução. Embora estudos tenham demonstrado o declínio de muitos negócios (conforme os dados do IBGE, publicado em 16 de julho de 2020, no Brasil, durante o período de pandemia, houve o fechamento de um entre quatro empresas, sendo o setor de serviços e comércio os mais afetados), a Covid-19 aparece como alavanca à sobrevivência dos negócios por meio da transformação digital. Ou seja, uma das duas faces da mesma moeda. Isso pode ser observado à medida que ela tem acelerado os processos de digitalização das empresas. Segundo os dados da McKinsey Global Survey, publicado na repostagem “How COVID-19 has pushed companies over the technology tipping point—and transformed business Forever” no dia 05 de outubro de 2020, a crise sanitária levou ao aumento de investimentos em iniciativas digitais, tecnologia e a qualificação de pessoas nas funções tecnológicas, como reposta à inserção dos consumidores nos canais digitais. Segundo o mesmo estudo, cerca de 80% das interações com os clientes, surgiram (e ainda surgem) através dos canais digitais. Tendência semelhante tem acontecido no Brasil. De acordo com a reportagem “Pandemia faz 87,5% das empresas no Brasil acelerarem projetos de transformação digital”, publicado no dia 18 de novembro de 2020, pela Forbes Brasil, 87,5% das empresas brasileiras já desenvolveram alguma iniciativa voltada à transformação digital, enquanto a média mundial está em 80% dos negócios. No escopo de iniciativas, os empresários brasileiros têm investido em aperfeiçoar o trabalho remoto; reinventar a experiência digital dos consumidores, fornecedores e colaboradores; e se proteger de ataques cibernéticos.

Contudo, apesar destes dados serem excitantes aos olhos dos entusiastas da quarta revolução industrial, precisamos recordar que ainda estamos longe de tomarmos a liderança neste processo, mesmo sob o contexto da pandemia. Conforme o Industrial Development Report 2020: Industrializing in the digital age, publicado em 2020, pela United Nations Industrial Development Organization, o Brasil ainda está em 12° lugar no ranking de produção de patentes tecnológicas; e 22° e 18° lugar, respectivamente, na exportação e importação de tecnologias. Estes dados refletem a baixa produção de tecnologia do País e a constante necessidade de adquirir tecnologias estrangeiras. Esse panorama, portanto, demonstra a fragilidade da indústria nacional em desenvolver, a custos reduzidos, tecnologias para o mercado doméstico. Essa deficiência, impacta, diretamente, as micro, pequenas e médias empresas, que, na maioria dos casos, não apresentam recursos suficientes para acompanhar as mudanças ambientais. Como uma das alternativas para melhorarmos este contexto está o investimento governamental financeiro e não financeiro para incentivo à ciência, tecnologia e inovação. No entanto, pelo que parece, este cenário ainda está longe de modificar-se, à medida que os investimentos em ciência básica e aplicada estão cada vez mais escassos devido aos constantes cortes de recursos.

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