Overview do Panorama Econômico Brasileiro para 2022-2023

Por Jhonatan Hoff

Foto: Freepik

À medida que as restrições e impactos decorrentes da pandemia global começam a ser atenuadas, as economias mundiais iniciam um processo de recuperação, ainda que tímido, na tentativa de restabelecer os níveis de atividade econômica almejados no período pré-pandêmico. Mesmo cercada de otimismo, a materialização da retomada econômica mostrou-se mais desafiadora do que o esperado em função do cenário econômico, político e humanitário que se concretizou ao final do ano de 2021 e início de 2022. 

Em 2022 novos obstáculos se materializaram em uma conjuntura já bastante desafiadora. Em breve retrospectiva, o ano teve início com o alongamento de imposições restritivas em consequência de novos surtos de COVID-19 e, somado à crise sanitária, ainda as consequências negativas da guerra na Ucrânia. 

O cenário que se concretiza para a segunda metade do ano de 2022 e início de 2023, que moldará a conjuntura econômica mundial, a qual o Brasil está inserido, dos próximos meses é caracterizado principalmente pela contração da produção global, em consequência de inúmeros problemas que atingiram uma economia já enfraquecida pela pandemia e também em função da desaceleração da produção da China e da Rússia, pelo aumento dos índices de inflação acima do esperado, particularmente nos Estados Unidos e nas principais economias europeias, os quais historicamente não possuem problemas inflacionários de maior gravidade, o que levou a um aumento nas taxas de juros, também acima do esperado. 

Especificamente no caso brasileiro, o cenário para o próximo ano compartilha das adversidades do cenário global. A essa equação também são adicionadas outras variáveis do contexto doméstico, principalmente o que tange o resultado das eleições presidenciais e a manutenção das instituições democráticas de direito. Apesar de extremamente relevantes, os projetos políticos e possíveis resultados das eleições não competem ao escopo do presente texto. 

Este texto busca apresentar um resumo das principais perspectivas econômicas relacionadas ao cenário brasileiro com foco nos seguintes indicadores: a) Inflação e Taxa de Juros, b) Câmbio, c) Atividade Econômica, nível de emprego e renda e, d) Contas Públicas: confiança na política fiscal. 

Inflação e Taxa de Juros

A crise econômica causada pela pandemia desencadeou um desequilíbrio entre as relações de oferta e demanda, levando a um aumento global de preços.  

No Brasil, a inflação atingiu níveis preocupantes no primeiro semestre de 2022. Especialmente em abril deste ano, a inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) atingiu o acumulado de 12,13% nos últimos 12 meses, o maior valor acumulado para o período de um ano desde 2003. De modo geral, pode-se atribuir parte do aumento da inflação no Brasil as mesmas causas que levaram ao aumento dos preços no restante do mundo. 

O resultado do IPCA para o mês de abril extrapolou o centro da meta inflacionária estabelecida pelo Banco Central (BC) e também surpreendeu as projeções das principais instituições financeiras e consultorias. O aparente descontrole inflacionário motivou elevações mais arrojadas na taxa básica de juros (Selic) com o intuito de conter a inflação. 

A partir da adoção do Plano Real, o Brasil desenvolveu certa expertise e domínio em ferramentas para o controle da inflação. No cenário atual, há de um lado especialistas que consideram que o Banco Central tardou em aumentar a taxa Selic, especialmente em vista a inflação acumulada nos meses anteriores e, por outro lado, há quem considere que o aumento da taxa básica de juros aos níveis atuais foi abrupto. 

Independe de tardia ou precipitada, a Selic acumula um aumento de 48,65% apenas em 2022, passando de 9,25% a.a. no início do ano para 13,75% a.a., nesta data. Como consequência, o IPCA apresentou queda nos meses subsequentes, como é possível notar, a seguir.

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Em julho, o valor do IPCA apresentou uma deflação de 0,68%, o menor valor desde 1980, início da série histórica. Apesar da deflação apresentada no mês, o Brasil ainda apresenta inflação acumulada nos últimos 12 meses de 10,07%. Com isso, o Brasil ainda figura entre os países com a maior inflação acumulada no cenário global, mas ainda se encontra distante de países como a Turquia e Argentina, que apresentam índices de inflação acumulada de 79% e 64%, respectivamente. 

Somado a política monetária, outros fatores contribuíram positivamente para a deflação no mês de julho, como a queda no valor das commodities agropecuárias e metálicas e também a redução do ICMS sobre os combustíveis. 

Mesmo com o resultado otimista em relação ao mês de julho, as projeções para a inflação acumulada para o ano de 2022 foram recentemente revistas para cima. Os fatores que contribuíram para essa revisão estão relacionados a fatores internos e externos. Do ponto de vista externo, tem-se a repercussão dos efeitos da guerra da Ucrânia no preço dos combustíveis, a tendência de alta no preço das commodities para os próximos meses, a consequências negativas dos efeitos climáticos na produção de alimentos (tanto no contexto doméstico como internacional). No contexto doméstico, destaca-se a injeção maciça de recursos na economia por meio do que ficou conhecido como “Pacote de Bondades” e o contorno do teto de gastos. 

Ainda que as estimativas para a inflação tenham aumentado, permanece predominantemente o cenário de retração inflacionária para os anos de 2022 e 2023.

Para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o IPCA, em 2022 deve encerrar o ano em 6,5% e em 3,6%, para 2023. Já o Banco Central estima o IPCA em 2022 em 6,7% e em 5,3% para 2023.  

Taxa de Juros

Como já mencionado, o Brasil adotou uma política agressiva de alta de juros para controlar a inflação. Com a manutenção da trajetória de retração inflacionária para o ano de 2022, é esperado que o ciclo de aumentos da Taxa Selic tenha se encerrado na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) no dia 03 de agosto de 2022. 

A última previsão do Banco Central do Brasil, divulgada por meio do Boletim Focus, no dia 29 de agosto, mantem a previsão da Taxa Selic no patamar de 13,75% até o final do ano de 2022. Esse posicionamento reitera as projeções para a manutenção da Selic que já foram divulgadas nas ultimas reuniões do Copom. A partir de 2023, a expectativa é de que a taxa básica de juros seja reduzida, acompanhando a queda na inflação, e termine o ano na casa dos 11%, ainda em um patamar considerado elevado, mesmo para o contexto brasileiro.  

Câmbio 

As projeções para o câmbio estão cercadas de um grau de incerteza superior as demais variáveis econômicas, principalmente no que se refere aos desdobramentos da Guerra na Ucrânia, a elevação da Taxa de Juros nos Estados Unidos e a trajetória de alta no preço das commodities. Relacionado a esse contexto, também devem ser consideradas preocupações do ponto de vista doméstico, como o resultado da balança comercial e o investimento direto no país, a recuperação da imagem do Brasil no Exterior, a recuperação da confiança na política fiscal e, sobretudo, no afastamento de uma tentativa de ruptura institucional em função do resultado das eleições.

Considerando a conjuntura apresentada, as projeções atuais consideram a manutenção do câmbio brasileiro para o ano de 2022 e 2023 por volta da casa dos R$ 5,20, ligeiramente acima da cotação atual. As projeções mais recentes não apontam uma possibilidade de valorização significativa do real no curto prazo. O próprio Boletim Focus, em sua última publicação, prevê o câmbio em R$ 5,17 em 2015. 

Atividade Econômica

As estimativas para o crescimento da atividade econômica no Brasil não são muito otimistas. Para o segundo semestre de 2022 é esperada uma expansão do Produto Interno Bruto (PIB), mas dificilmente esse crescimento será sustentado para ano de 2023. As projeções para o PIB neste ano foram elevadas, especialmente em decorrência de um primeiro semestre acima das expectativas e de medidas de curso prazo que estimularam a economia. Contudo, estima-se que atividade econômica no país será impactada de forma mais relevante em 2023 em meio a um cenário caracterizado pela taxa de juros elevada e por preocupações com a situação fiscal do país, de modo que as perspectivas para o PIB do próximo ano foram reduzidas.      

Em 2022 algumas medidas buscaram estimular a atividade econômica no país, das quais pode-se elencar a redução de restrições de distanciamento social, a expansão do Programa Auxílio Brasil, liberação de Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS), antecipação do 13º do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), auxílio gás, redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), redução do ICMS sobre combustíveis, além da melhoria dos dados de empregos e outros. As medidas citadas buscam oferecer um estímulo imediato, especialmente por meio da injeção de recursos na economia. Entretanto, apesar de um efeito positivo no curto prazo, dificilmente produzirão resultados rasoáveis no longo prazo. 

É importante destacar que as medidas de apoio social têm vigência até dezembro de 2022. Apesar de inquestionável a importância de tais medidas e de que o apoio deva continuar em algum nível, ainda é incerta a configuração do pacote de benefícios sociais ou até mesmo de renda mínima estabelecida para o próximo ano. 

Além disso, é preciso considerar que todos os cenários apontam para um nível de desaceleração do crescimento econômico global em 2022 e uma potencial recessão econômica nos Estados Unidos e nos Países da Europa. Inclusive, o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) diminuiu as projeções de crescimento global em 2022, passando de 3,6% para 3,2%.    

Em termos globais, a expectativa do FMI é de que o crescimento econômico dos países desenvolvidos em 2023 seja bastante modesto, ficando em torno de 1,4%.  Já para os países em desenvolvimento, a expectativa é de um crescimento de 3,9%. 

Para o Brasil, o FMI estima um crescimento de 1,7% para o ano de 2022 (ante a expectativa de 0,8% divulgada em abril) e de 1,1% para o ano de 2023. Os dados estimados pelo Boletim Focus caminham na mesma direção das estimativas do FMI para o cenário brasileiro, embora se distanciem em sua dimensão. 

O relatório do Boletim Focus mais recente prevê a expansão do PIB brasileiro em 2,10% para 2022 e de apenas 0,37% em 2023, basicamente um cenário de estagnação econômica. A estimativa para o PIB brasileiro tem sido revista para baixo nas ultimas divulgações do Boletim Focus. Um crescimento do PIB mais representativo apenas é vislumbrado a partir de 2024 com crescimento de 1,8%. 

Também é importante destacar que para 2022 é esperada uma mudança na composição do PIB. Primeiramente tem-se a redução dos efeitos e das incertezas da pandemia, o que deve levar a uma recuperação das atividades de comércio e de serviços. E, segundo o IPEA, espera-se ainda uma redução na produção do setor agropecuário, passando de 2,8% para 1%, especialmente em função na deterioração das previsões de produção de soja. 

Em síntese, a economia brasileira apresentará um resultado acima do esperado para o segundo semestre de 2022, em conformidade as medidas de estimulo adotadas ainda neste ano, mas esse desempenho dificilmente será sustentado em 2023, sendo esperada uma redução do crescimento econômico para o próximo ano. 

Nível de Emprego e Renda

De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os índices de desemprego vêm apresentando uma melhora constante em 2022. O primeiro trimestre do ano encerrou com uma taxa total de desemprego de 9,3%, ante 13,7% no mesmo período do ano anterior. O valor representa aproximadamente o total de 10,1 milhões de desempregados em julho de 2022. Importante denotar que a queda do desemprego nesse cenário não representa a criação de novos postos formais de forma consistente, uma vez que a queda nas taxas é liderada pelo crescimento da informalidade, a qual atinge 40% dos trabalhadores do país, ou seja, aproximadamente 39,3 milhões de trabalhadores. 

O número de trabalhadores informais levantado em 2022 é o maior da série histórica e é composto por trabalhadores sem carteira assinada, empregadores e conta própria sem CNPJ, além de trabalhadores familiares auxiliares, conforme dados do IBGE.

Em conjunto ao aumento da informalidade, a renda habitual do brasileiro também recuou em 2022. Os dados da PNAD contínua trimestral para o segundo trimestre deste ano apontam um rendimento médio real de trabalho de R$ 2.652, valor estável em relação ao primeiro trimestre de 2022, mas 6,05% inferior que o mesmo período do ano anterior. É importante destacar que o rendimento real do primeiro trimestre, encerrado em fevereiro, apresentou queda de 8,8% em relação ao mesmo período do ano anterior. 

Confiança na Política Fiscal, 

A gestão atual foi marcada, entre outros aspectos, por ações que deterioraram em vários pontos a confiança na Política Fiscal. A próxima gestão enfrentará em enorme desafio em relação a governabilidade e a gestão das contas públicas e, em especial, a recuperação da confiança na Política Fiscal. 

As ações que se desdobram no encerramento do mandato atual utilizam de manobras para contornar regras fundamentais da Lei Eleitoral, da Lei de Responsabilidade Fiscal e do Teto de Gastos.  Além da injeção de recursos na economia, o governo atual também abriu mão de muitas receitas. O novo governo, encontrará um orçamento bastante comprometido, que limitará os investimentos necessários para a recuperação da atividade econômica no país.

O orçamento das contas públicas prevê deficit de R$ 49,6 bilhões para o ano de 2022 e de R$ 65 bilhões para 2023. 

Do ponto de vista da política fiscal, é pressuposto a manutenção de regras compatíveis com a evolução das contas públicas, tomando como base o compromisso e a responsabilidade fiscal. 

Contudo, considerando a piora significativa das contas fiscais para o ano de 2023, atualmente já se debate a possibilidade da adoção de um “waiver fiscal” – medida que permite a suspensão temporária de regras fiscais para possibilitar a organização do orçamento. 

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