O término da Recuperação Judicial

Por Diego Niels, Advogado e Administrador Judicial da Wilhelm & Niels Advogados Associados

O encerramento do processo de recuperação judicial é o momento em que a empresa recuperanda volta ao mercado para competir em iguais condições com os seus pares. Normalmente, o mercado tem reagido positivamente ao retorno das empresas com o encerramento do processo recuperacional, veja-se por exemplo os casos da OGX Petrolífera e da Inepar S/A, além do caso mais recente e com maior divulgação da mídia a concessionária OI S/A.

Mas o término do processo de recuperação judicial exige da sociedade empresária o cumprimento de alguns requisitos, sendo o principal deles a aprovação do plano de recuperação judicial pelos credores.

Anteriormente a isto, conforme já explicado nesta coluna, vamos relembrar o início do processo recuperacional, onde tem seu pontapé com o protocolo do pedido, cabendo ao juízo a análise dos requisitos necessários para sociedade empresária iniciar o procedimento de recuperação judicial.

Em síntese, trata-se de requisitos subjetivos e objetivos como por exemplo, se a empresa não ingressou com o mesmo pedido nos últimos 5 anos, se não é falida ou se seus administradores não foram condenados em algum dos crimes previstos na legislação de insolvência. Além disto, necessário o rol de documentos previstos no art. 51 da legislação, que trata de informações da sociedade empresária, como demonstrações contábeis, de seus funcionários, a existência de ações judiciais, informações dos sócios, dentre outros.

Estando presentes todos os requisitos, o juízo profere decisão deferindo o processamento da recuperação judicial, suspendendo o curso das execuções e impondo a sociedade empresária a necessidade de apresentação de demonstrativos mensais, a proibição da venda de bens do seu ativo imobilizado, a nomeação de administrador judicial, comunicação do Ministério Público, das Fazendas Públicas e da Junta Comercial, além de publicar edital com o resumo do pedido e da relação de credores com valor do crédito e sua classificação.

Pois bem, ultrapassada toda marcha processual, com a aprovação do plano de recuperação judicial pelos credores, chega o momento em que é proferida decisão que concede a recuperação judicial à sociedade empresária. Este poderia ser considerado o término do processo, porém ainda não é.

Na redação original da Lei n. 11.101/05, havia previsão de que o “devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos” depois da decisão que concedeu a recuperação. Esse período é conhecido como o período de fiscalização, momento no qual o administrador judicial e os credores poderiam, ainda sob a pálio do juízo recuperacional, denunciar qualquer descumprimento das obrigações previstas no plano.

Porém, a maioria dos planos de recuperação judicial aprovados previam prazos de carência para o início do pagamento das obrigações, que, na maioria dos casos, era igual ou superior a 2 anos. Assim, era contumaz que o período de fiscalização não tinha qualquer justificativa ou relevância, tendo em vista que as obrigações decorrentes do plano se venciam no final ou posteriormente ao seu término.

Diante disto, com a edição da Lei n. 14.112/21, que alterou a Lei n. 11.101/05, houve a alteração do enunciado, passando a prever que “o juiz poderá determinar a manutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial.”

A alteração da lei, em verdade, nada mais foi do que sua adequação a corrente jurisprudencial que, ainda na vigência da lei antiga, já tinha possibilitado as empresas o encerramento da recuperação judicial em período inferior a 2 anos. Isso porque, com o encerramento do processo por sentença a sociedade empresária terá condições de “voltar ao mercado”, não figurando mais no banco de dados público como empresa “em recuperação judicial” (art. 196).

Recentemente a 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo, quando proferiu decisão[1] que concedeu a recuperação judicial a uma sociedade empresária, entendeu por afastar o período de fiscalização, fundamentando para tanto que (a) não há qualquer benefício para a devedora e seus credores a manutenção do processo (período de fiscalização), (b) que os planos de recuperação preveem o início dos pagamentos após o período de 2 anos, (c) caso não ocorra o pagamento o credor poderá optar tanto pela execução individual ou pela convolação da recuperação judicial em falência, (d) o encerramento do processo funciona como um fator de fresh start, pois a empresa volta ao mercado sem a condição de recuperanda, reconquistando a confiança daqueles que com ela podem estabelecer relações comerciais, (f) não acarretará em encarecimento dos custos processuais (judiciário e operadores do direito), (g) a tramitação de um processo sem qualquer demonstração de utilidade viola-se o devido processo legal e o direito fundamental a razoável duração do processo. Portanto, ainda que no início da vigência da legislação recuperacional o período de fiscalização tenha sido criado com o escopo de proteção tanto dos credores quanto da sociedade empresária em recuperação, hodiernamente constatou-se que, dentro de uma análise casuística, pode ser muito mais vantajoso para todos os players do processo que haja o imediato encerramento da recuperação judicial, sem que haja o período de fiscalização.


[1] Autos n.: 1129712-90.2018.8.26.0100