O crédito triubutário na recuperação judicial

Foto: Freepik

Por Diego Niels

A recuperação judicial é um instituto criado com base na legislação norte americana que tem por objeto viabilizar a superação da crise econômico-financeira, preservando a sociedade empresária, bem como o emprego de seus trabalhadores, além do interesse dos seus credores. Esta é a premissa basilar da Lei n. 11.101/05, em seu art. 47, conhecido como o princípio da preservação da empresa.

Contudo, apesar da ideia principal de manutenção da atividade empresária, alguns créditos não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, dentre eles, os créditos das Fazendas Públicas. Como é de conhecimento, as Fazendas Públicas já dispunham de ferramentas privilegiadas para o recebimento dos seus créditos, como por exemplo a execução fiscal, o protesto das Certidões de Dívida Ativa (CDA), o arrolamento de bens, dentre outros.

Na recuperação judicial, o legislador também criou mecanismos para que os créditos tributários fossem privilegiados aos demais. O primeiro deles, diz respeito quanto a não sujeição das execuções fiscais a regra do stay period, ou seja, a previsão de suspensão do curso das execuções existentes contra a devedora. Contudo, apesar das execuções fiscais não ficarem suspensas as medidas constritivas, como por exemplo as penhoras de ativos financeiros, dependem da autorização do juízo da recuperação judicial.

Outro mecanismo, e talvez o mais polêmico, diz respeito quanto a necessidade de apresentação de Certidão Negativa de Débitos – CND, juntamente com o plano de recuperação aprovado, para que seja proferida decisão que concede a recuperação judicial.

Com relação a este ponto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, entendeu por afastar a exigência da regularidade fiscal para a concessão da recuperação judicial sob a alegação de que a “interpretação literal do artigo 57 da LRF e do artigo 191-A do CTN inviabiliza toda e qualquer recuperação judicial, e conduz ao sepultamento por completo do novo instituto[1]”.

Isso porque, com a edição da Lei n. 11.101/05, havia previsão de que as Fazendas Públicas poderiam criar legislações específicas para o parcelamento dos créditos tributários das empresas que estivessem em recuperação judicial. Curiosamente, a primeira legislação específica foi criada em novembro de 2014, ou seja, quase 10 anos após a edição da Lei de Recuperação e Falências, mas tão somente direcionada aos tributos federais.

Em síntese, o parcelamento especial previa a possibilidade de pagamento em 84 vezes, além de uma regra escalonada para as prestações, iniciando-se em 0,66% do valor consolidado da dívida. Este parcelamento quase não se diferenciou do parcelamento ordinário, que previa o pagamento do passivo em 60 vezes, pouco contribuindo para equalizar o passivo tributário das empresas em situação de crise.

No ano de 2020, após uma das maiores recessões enfrentadas pelo nosso país, o Ministério da Fazenda criou um grupo de trabalho com o escopo de promover a reforma da Lei de Recuperação e Falências (Lei n. 11.101/05), de forma a colaborar com as empresas a atravessar a situação de crise econômico-financeira.

Este projeto contou com a participação de diversas entidades, como a Federação das Indústrias de São Paulo – FIESP, grande parte das Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, a Federação Brasileira dos Bancos – FEBRABAN, o Instituto Brasileiro da Insolvência – IBAJUD, dentre outros.

Além de inúmeras propostas para modernizar a legislação, partiram do próprio Ministério da Fazenda a possibilidade de serem incluídas condições mais favoráveis para que as empresas pudessem adimplir seus passivos tributários. Isso porque, apesar da existência de ferramentas que privilegiassem o crédito tributário, conforme mencionado anteriormente, a jurisprudência tinha se direcionado no sentido de mitigar seus efeitos, e assim, as Fazendas, apesar de não terem seus créditos sujeitos ao processo de recuperação judicial, a perspectiva de recuperação destes era remota.

Com a edição da Lei n. 14.112/21, que alterou a Lei n. 11.101/05, houve várias mudanças na seara tributária, não somente quanto ao parcelamento dos créditos tributários, mas também quanto a tributação do deságio do plano de recuperação judicial, do ganho de capital pela venda de ativos e da dedutibilidade das obrigações previstas no plano de recuperação.

Sobre a tributação do deságio (redução da dívida), a reforma da Lei previu que haveria isenção da tributação do PIS e da Cofins, bem como que a redução não estaria sujeita ao limite percentual (30%) na apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Quanto a venda de ativos, a legislação afastou a trava para utilização das bases negativas do Imposto de Renda (IRPJ) e da Contribuição Social (CSLL).

Com relação as despesas correspondentes às obrigações assumidas no plano de recuperação judicial, estas serão consideradas dedutíveis na apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social (CSLL), desde que não tenham sido objeto de dedução anterior. 

E por último, sobre o parcelamento do crédito tributário, houve significativa alteração da legislação anterior, que além de prever melhores condições, também previu a possibilidade de pedido de transação do crédito tributário, cuja proposta deverá ser formulada perante a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e será analisada mediante juízo de conveniência e oportunidade.

Em síntese, caso aceita a proposta de transação, poderá ser concedido prazo para pagamento de até 120 meses, a possibilidade de aproveitamento das bases negativas para amortização do passivo tributário, desconto de multa e juros que podem chegar até 100%, com limitação de 70% do total do débito, além da possibilidade de pagamentos escalonados e carência para início dos pagamentos.

Importante mencionar que todas as alterações previstas dizem respeito somente ao passivo tributário da esfera federal, porém, apesar da legislação prever que os “Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão, por lei de iniciativa própria, autorizar que o disposto neste artigo seja aplicado a seus créditos”, até a presente data, não se tem notícia quanto a existência do aproveitamento destas regras por alguma outra Fazenda Pública.

Ainda deve ser levado em consideração que sazonalmente o Governo Federal mantém a prática de editar programas especiais de recuperação de tributos, conhecidos dos contribuintes de longa data, podemos citar alguns exemplos como REFIS, PAES, PAEX, Refis da Copa, Refis da Crise, PERT, dentre outros. Esses programas que notadamente têm sido criados com fins arrecadatórios, são destinados a empresas solventes, que supostamente não teriam necessidade de vantagens como alongamento da dívida, e descontos e abatimentos do valor do seu crédito.

Portanto, ao que nos parece, apesar da evolução da legislação federal quanto a possibilidade de equalização do passivo tributário das empresas em recuperação judicial, em verdade, o Governo Federal apenas estendeu os mesmos benefícios que eram concedidos sazonalmente as empresas em situação regular, que supostamente não necessitariam de qualquer tratamento diferenciado.

Assim, mesmo que seja considerado como um grande avanço, o que se espera é que as Fazendas Públicas realmente entendam a real necessidade das empresas em situação de crise econômico-financeira e promovam programas para regularização dos tributos de forma que efetivamente ajudem o soerguimento das empresas e, por outro lado, tenha efetividade para que as Fazendas consigam receber seus créditos.  


[1] Superior Tribunal de Justiça – STJ – Recurso Especial n. 1.187.404/MT.