O aumento da Selic tem relação com as perdas esperadas com créditos de liquidação duvidosa das Instituições Financeiras?

Foto: Freepik

Por Bruno Meirelles Salotti

Instituições Financeiras cumprem um papel fundamental do mercado: a intermediação financeira, ou seja, captam recursos dos poupadores e emprestam aos tomadores de recursos. A taxa de juros tem impacto amplo no volume, prazo e condições dessas transações, uma vez que representa o custo do dinheiro no tempo. 

Por outro lado, sabemos que o resultado dos bancos é diretamente afetado pelas perdas esperadas com créditos de liquidação duvidosa (PECLD), ou ainda, no jargão contábil mais popular, as perdas com provisão para devedores duvidosos (PDD). Essas perdas sinalizam ao usuário da informação contábil, do ponto de vista do regime de competência, qual é a expectativa de perda da instituição financeira em relação à sua carteira de empréstimos concedidos.

Tendo em vista o recente ciclo de aumento da taxa básica de juros, promovido pelo Banco Central, desde março do ano passado, surgem as seguintes questões: Existe relação entre o aumento da taxa de juros e a PECLD dos bancos? Essa elevação se reflete diretamente no aumento da PECLD? Para responder a essas questões, vamos inicialmente observar o histórico recente de dados a respeito desse tema, para verificarmos o que o passado nos conta. Para isso, acessamos os dados contábeis dos últimos 12 anos (2010 a 2021), no sítio do Banco Central, das cinco maiores Instituições Financeiras que atuam no Brasil (Banco do Brasil, Caixa Econômica

Federal, Bradesco, Itaú/Unibanco e Santander). Não serão abordadas as diferenças existentes entre os diferentes modelos e regras para a mensuração da PECLD, dado o escopo do artigo. 

Posteriormente, comparamos a evolução do percentual de PECLD dos referidos bancos, bem como da carteira agregada, com o comportamento da taxa Selic ao longo desse período. Adicionalmente, inserimos os dados da série temporal “Inadimplência da carteira – Total”, disponibilizada pelo Banco Central, com dados a partir de 01/03/2011. O resultado dessa comparação apresenta-se no gráfico a seguir:

Ao longo desses 12 anos, verifica-se a presença de cinco ciclos de variação na taxa Selic, sendo três ciclos de alta e dois de baixa, conforme destacado no gráfico. 

Nota-se que o comportamento da PECLD de cada instituição financeira é distinto, afinal, cada instituição tem suas próprias idiossincrasias. No entanto, a movimentação das perdas segue uma tendência relativamente semelhante.

Comparando esse padrão de comportamento à oscilação da taxa de juros, não é possível notar uma correlação direta e positiva. Por outro lado, o comportamento da curva vermelha (índice de inadimplência) parece ser mais condizente com a movimentação da PECLD dos bancos. 

Conceito da PECLD 

 O levantamento teve como critérios:

  • Dados trimestrais, de 31/12/2009 a 31/12/2021, extraídos da base dos Conglomerados Financeiros (exceto dados da Caixa Econômica Federal, extraídos da base dos Bancos);
  • As contas utilizadas do Cosif foram as seguintes: 
    • 16000001 – Operações de Crédito (1) – saldo total das operações de crédito, já líquido da provisão para operações de crédito;
    • 16900008 – Provisões para Operações de Crédito (2) – conta com saldo credor, ou seja, saldo negativo;
  • O cálculo do % da PECLD foi feito de acordo com a seguinte fórmula: – (2) / [(1) – (2)].

A análise se limitou apenas às 5 instituições citadas, pois o total da carteira de crédito composta por essas instituições representa cerca de 80% do saldo de operações de crédito dos conglomerados como um todo.

 https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSerie. Acesso em 22/05/2022. Esse índice é calculado com base em atrasos superiores a 90 dias.

Para melhor compreendermos esses movimentos e relações, resgatamos o conceito da PECLD. O seu objetivo é estimar, do saldo a receber registrado no ativo, o quanto se espera que não será recebido. Assim, faz todo sentido que a movimentação da PECLD guarde relação com o índice de inadimplência das carteiras. 

A taxa Selic é um balizador para as operações do mercado financeiro, e acaba por influenciar o custo financeiro do crédito. Logo, taxas mais altas tornam o crédito mais caro. No entanto, isso não significa, de forma direta, que haverá perdas mais intensas, afinal, a instituição financeira, ao conceder o crédito, realiza diversas análises prévias sobre a capacidade do potencial credor de pagar a dívida almejada. O objetivo dessas análises é mensurar os riscos da operação, para poder decidir se, e em que condições, a instituição financeira fornecerá o crédito à contraparte. Mas, mesmo que essas análises sejam feitas, algumas perdas efetivamente ocorrem. E o aumento da taxa de juros básica da economia pode, é claro, ter relação com essa ocorrência das perdas, pois relaciona-se à conjuntura macroeconômica como um todo. 

Vejamos, por exemplo, o que ocorreu no período entre 2015 e 2016: houve uma grave crise política (que culminou no impeachment da então Presidente Dilma), uma inflação descontrolada, e uma recessão econômica intensa, com o PIB caindo 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016. Nesse ambiente, a Selic estava em franca expansão, atingindo o patamar de 14,25%, o mais alto desse período de 12 anos. Todo esse contexto macroeconômico traduziu-se em uma maior inadimplência das famílias e empresas. Não por acaso, observamos um aumento consistente dos patamares de perda das carteiras de crédito dos bancos nesse período. No entanto, de 2010 até junho de 2011, em que também ocorreu um ciclo de alta da taxa de juros, o movimento de aumento da PECLD não se verificou. Da mesma forma, em 2021, apesar da forte expansão dos juros, os percentuais de PECLD dos referidos bancos caíram, em sua maioria.   

Conceitualmente, até faria sentido esperar uma relação positiva entre o aumento da taxa de juros e a PECLD dos bancos. Afinal, se o crédito se torna mais caro, então, seria mais difícil para o credor pagar a sua dívida. Porém, na prática, o problema é bem mais complexo, pois a taxa de juros influencia e é influenciada por uma série de outros elementos existentes na conjuntura macroeconômica, e que por sua vez impactam as perdas. Logo, não é possível concluirmos que o novo ciclo de alta dos juros terá necessariamente um impacto direto no aumento da PECLD dos bancos. 

No entanto, caso venhamos a perceber aumentos dos índices de inadimplência dos agentes econômicos, em decorrência do contexto macroeconômico desafiador que se aproxima, os percentuais de PECLD deverão responder a esse contexto, refletindo, na contabilidade, as melhores expectativas dos bancos sobre as perdas de suas carteiras. Pelo menos assim se espera, afinal, acconting follows economics.

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