Mulheres e etarismo

Foto: Freepik

Por Cíntia Araújo

Para expor o propósito da coluna de hoje, descreverei dois episódios.  

EPISÓDIO 1 

Escrevo esta coluna logo após a 95ª edição do Oscar, ocorrida no dia 12 de março de 2023. Nesta edição, a atriz malaia-chinesa Michele Yeoh, ganhou o Oscar de melhor atriz por sua atuação no filme “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, tornando-se a primeira asiática a conseguir este feito.  

Ao receber o prêmio, Michele, fez um discurso emocionante:  

“Para todos os meninas e meninas que se parecem comigo que estão assistindo:   

Isso aqui é símbolo de esperança e possibilidade, de que sonhos se tornam realidade! 

E meninas, não deixem ninguém dizer que vocês já passaram da época1 

Agora, vamos ao segundo episódio.  

EPISÓDIO 2 

Na última sexta (10 de março), alunas de uma universidade privada em Bauru (SP), Unisagrado, postam nas redes sociais um vídeo, zombando de uma colega de classe Patrícia Linares, de 44 anos.  Para estas três alunas, Patrícia era “velha demais” para estar na faculdade. Abaixo, alguns trechos do que estas três alunas comentaram sobre a colega de classe2

“Gente, quiz do dia: como ‘desmatricula’ um colega de sala?” 

“Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada!” 

“Gente, 40 anos não pode mais fazer faculdade. Eu tenho essa opinião” 

“[Ela] não sabe o que é Google” 

Que estes dois episódios têm em comum? Etarismo e seus efeitos limitadores ao desenvolvimento do potencial das mulheres.  

Etarismo ou discriminação etária ocorre quando uma pessoa ou grupo de pessoas é discriminado por causa de sua idade. Tal discriminação pode afetar tanto adolescentes como pessoas idosas.  

Quando analisamos o discurso da atriz Michelle Yeoh, compreendemos que a atriz se utilizou de um momento histórico (repito: ela é a 1ª atriz asiática a ganhar o prêmio) para motivar outras atrizes de meia idade, que exatamente por isso, passam a ter menos oportunidades de atuação.  

Este fenômeno não é uma surpresa para (quase) ninguém. Enquanto vemos atores de meia idade estrelando vários blockbusters como “mocinhos” e “heróis” – um exemplo bastante recente é o filme Maverick estrelado por Tom Cruise de 60 anos -, mulheres de meia idade ficam restritas a papéeis de mães e avóos em filmes de drama.  Convido o(a) leitor(a) comparar o número de produções estreladas por homens acima dos 50 com número de produções estreladas por mulheres acima dos 50. Tenho certeza de que lhe causaráa um grande espanto.  

Em paralelo, vemos três alunas de graduação em biomedicina, Beatriz Pontes, Giovana Cassalatti e Bárbara Calixto debochando de sua colega de classe porque esta estaria acima da idade para estar numa sala de aula.  

Infelizmente, vivemos em uma sociedade patriarcal e machista, em que as pessoas, especialmente grupos historicamente minorizados, como as mulheres, são pressionadas e educadaos a encaixarem-se em um “ideal”.  Este processo está tão enraizado em nossa sociedade que três jovens, não hesitaram em postar um vídeo preconceituoso. O que importou naquele momento era registrar na “rede” de que naquele lugar havia uma pessoa fora deste “ideal” e por isso deveria ser retirada de lá.  

Estes dois episódios mostram-nos o quanto todos nós precisamos aprender sobre etarismo, e os efeitos negativos que este tipo de discriminação tem sobre o potencial das pessoas.  

Felizmente, o mundo corporativo está tornando-se mais atento e aberto a debater este assunto, a fim de criar um ambiente de trabalho mais inclusivo, saudável e propício a inovação e a criação. Por exemplo, a unidade brasileira da consultoria multinacional Accenture criou um programa para contratação de profissionais acima dos 50 anos.3 

Precisamos falar mais sobre o etarismo e seus efeitos em todos os lugares: nas salas de aula, nas empresas, na Academia, nas instituições e nas universidades. Só desta forma, poderemos conscientizar as pessoas, diminuir a ocorrência de episódios de preconceito e permitir que mulheres (e homens também) possam concretizar seu potencial e realizar seus sonhos.  

PS. Por falar em universidades? Espero que a UNISAGRADO tome medidas mais incisivas sobre o episódio de discriminação contra Patrícia Linares e implemente programas de prevenção e combate a todas as formas de discriminação/preconceito.  A universidade emitiu uma nota no dia do ocorrido (10 de março), mas sem citar o caso diretamente.