Igualdade racial nas empresas: meta viável ou utopia?

Por Cintia Araujo

(Imagem: rawpixel.com/Freepik)

Nos últimos dias, os noticiários estavam repletos de debates e análises sobre os 100 dias do Governo Lula. Por isso, na coluna de hoje gostaria de destacar uma medida tomada pelo atual Presidente.  

No dia 21 de março, foi assinado um decreto que determina que 30% dos cargos e funções de confiança do governo federal sejam ocupados por negros e pardos. É importante ressaltar que estes cargos e funções são preenchidos por livre nomeação, ou seja, sem concursos. Outro detalhe importante é que o governo federal tem até o fim de 2025 para cumprir a meta estabelecida pelo decreto1.  

Como mulher negra, professora e pesquisadora de diversidade e relações raciais nas empresas, certamente tenho acompanhado as medidas tomadas pelo governo federal – como também pelos governos estadual e municipal – relacionadas a estes temas.  No seu discurso posse, o Presidente Lula fez uma declaração que me chamou a atenção:  

Por isso eu e o meu companheiro vice Geraldo Alckmin assumimos hoje, diante de vocês e de todo povo brasileiro o compromisso de combater dia e noite todas as formas de desigualdade no nosso país. Desigualdade de renda, desigualdade de gênero e de raça, desigualdade no mercado de trabalho, na representação política, nas carreiras do Estado, desigualdade no acesso a saúde, a educação e demais serviços públicos2. 

Confesso que, apesar do meu ceticismo quanto à possibilidade da implementação de mudanças estruturantes de combate à desigualdade social em apenas 4 anos, fiquei muito contente em ver o avanço do debate sobre a desigualdade de oportunidades no mercado de trabalho. Felizmente, temos visto que sociedade brasileira tem cada vez mais pressionado seus representantes e governantes a comprometerem-se com o combate à desigualdade social que tanto aflige o nosso país.  

Tal pressão não vem à toa. As medidas do governo pela igualdade racial vão de encontro às metas da Agenda 2030 do ONU para criação de uma sociedade mais igualitária e sustentável3. Neste contexto, o que empresas, empresários e executivos têm feito para contribuir com este compromisso tão urgente?  

Em 2016, o Instituto Ethos, em colaboração com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), realizou um relatório sobre o “Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas” em que relata que uma triste realidade: a maioria das empresas não desenvolve programas para promoção de igualdade de oportunidades entre negros; das 500 pesquisadas apenas 12% tinham programas nesse sentido4.  

Uma pesquisa5 que realizei entre 2021 e 2022, em conjunto com professores da Fundação Dom Cabral indica que o cenário descrito no relatório do Instituto Ethos não mudou muito: mesmo com intensificação da pressão da opinião pública após repercussão das manifestações de movimentos civis como, por exemplo, o Black Lives Matter apenas 34% dos respondentes informam que suas empresas possuem políticas/programas para promoção de diversidade. Esta baixa adesão reflete no número na baixa representatividade negra nas empresas. Espantamo-nos ao ver que entre 405 respondentes, apenas 19% destes eram negros/pardos, uma realidade bastante destoante do que temos na constituição da população brasileira, em que a maioria (56,2%) se autodeclara negro/pardo6.  

No final de 2022 ocorreu o 11º Fórum de Negócios e Direitos Humanos das Nações Unidas, Genebra7. Neste evento, é lançado o movimento “Raça é Prioridade” com intuito de obter o compromisso das empresas nesta meta do Pacto Global da ONU para implementação de medidas para inclusão e igualdade racial no mercado de trabalho.  

Ao analisar os resultados deste fórum vemos que ainda há muita dificuldade para se alcançar maior igualdade e representatividade nas empresas. A meta deste movimento é de angariar assinaturas de compromisso de 1500 empresas. Porém, durante a realização do fórum, apenas 23 empresas firmaram seu compromisso, dentre elas Unilever, Vivo, iFood e Uber.  

Por essas e outras que aproveito esta coluna quinzenal para ressaltar a importância do engajamento da Academia, da sociedade civil e de profissionais e executivos, que independentemente de sua raça/etnia, se identificam com esta meta global de igualdade racial no mercado de trabalho e no mundo corporativo. Felizmente, há muitos homens e mulheres que realizam um verdadeiro trabalho de “ativismo corporativo”, compartilhando pesquisas, conscientizando pessoas-chave dentro das empresas e na Administração Pública.  

Se você já é um(a) ativista neste movimento, compartilhe este artigo nas suas redes de contato. Um dos pontos cruciais na promoção da igualdade racial é conscientização das pessoas que ocupam posições-chave nas empresas: grandes acionistas, executivos(as), donos(as) de empresas, recrutadores(as). E sabe por quê? No relatório do Instituto Ethos citado acima, a maioria dos executivos acredita que a participação de negros e mulheres nos diferentes níveis hierárquicos das organizações está adequada. Sim! Ainda há muita gente em posições de poder que acredita não haver necessidade de inclusão de mais negros (e mulheres) nas empresas.  

Temos um longo caminho pela frente.  

Então, vamos à luta!

[1] Gomes, P. H. (2023, March 21). Lula assina decreto para que negros ocupem pelo menos 30% dos cargos e funções de confiança no governo. G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/03/21/lula-propoe-que-negros-ocupem-pelo-menos-30percent-dos-cargos-e-funcoes-de-confianca-no-governo.ghtml

[2] UOL (2023, January 1). Leia na íntegra os discursos de Lula na posse. UOL. https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/01/01/posse-lula-discursos-congressso-planalto-integra.htm

[3] Ecam (n.d.). O que é a Agenda 2030 e quais os seus objetivos. Ecam. http://ecam.org.br/blog/o-que-e-a-agenda-2030-e-quais-os-seus-objetivos/

[4] Magri, C. (2016). Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas.

[5] Araújo, C. C. S. de A., Sousa, P. R. de, Andrade, F. R. de O., & Carneiro Jr., E. (2022). Diversidade, Inovação e Capacidade de Absorção do Conhecimento nas Organizações Brasileiras. https://doi.org/10.13140/RG.2.2.33857.63849

[6]Rodrigues,D. Autodeclarados pretos crescem 29,3% em 7anos, segundo IBGE. Poder360. 2019. https://www.poder360.com.br/brasil/populacao-que-se-declara-preta-cresce-293-em-7-anos-aponta-ibge/

[7] Bertão, N. (2022, November 29). Empresas ainda escorregam em igualdade racial, mas foco na pauta pode avançar. Valor Econômico. https://valor.globo.com/empresas/esg/noticia/2022/11/29/empresas-ainda-escorregam-em-igualdade-racial-mas-foco-na-pauta-pode-avancar.ghtml