CRISE HÍDRICA E SUAS EXTERNALIDADES: Racionamento, apagão e inflação

Foto: Divulgação/Sabesp

Por Samuel Barbi
Gerente de Informações Econômicas na Arsae-MG e colunista de Economia na Rádio 98 FM

Acompanhada desde 1840, a temperatura média da atmosfera vem registrando aumentos relevantes nas décadas mais recentes, bem como é crescente a concentração de gases associados ao efeito estufa. Uma reação natural da terra a esse processo de rompimento do equilíbrio climático global é a recorrência de extremos, isto é, ondas de frio e calor mais fortes, bem como a alternância entre chuvas intensas e períodos de secas prolongadas.

Esses efeitos mundiais têm sido sentidos no Brasil. Cenas de secas intercalam-se com a de enchentes. Com a urbanização, esses extremos tendem a prejudicar ainda mais a população, que está majoritariamente organizada em grandes cidades, as quais não foram devidamente planejadas para lidar com tamanha variabilidade climática. As consequências podem ser sentidas nas mais diversas áreas, tais como agropecuária, energia e saneamento.

Racionamento

Nesse momento, o país vive uma de suas piores crises hídricas da história. Desde 1931, ano em que se iniciou a medição de níveis de chuva, os registros pluviométricos nunca foram tão baixos, levando muitos reservatórios a níveis críticos. Em agosto de 2021, ao menos 53 cidades de cinco estados racionavam e/ou promoviam rodízio no abastecimento de água.

Apagão

Mesmo que chova em excesso em algumas áreas do país, a seca tem afetado as maiores áreas produtoras de energia elétrica. Conforme boletim divulgado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), os reservatórios das Usinas Hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste operam com apenas 18% de sua capacidade de armazenamento.

Responsáveis por aproximadamente 70% da geração hídrica do país, os reservatórios apresentam os níveis mais baixos dos últimos 91 anos. O Brasil tem buscado diversificação e aumento da capacidade de geração de energia. No início dos anos 2000, sua capacidade instalada era de 81 gigawatt sendo 85% provenientes de hidrelétricas.

Atualmente conta com 175,8 gigawatt, sendo 62% referente a energia hidrelétrica, 25,5% de termelétricas e o restante advindo de outras fontes como solar, eólica e nuclear. Apesar da ampliação da capacidade, houve substancial aumento da demanda de energia, o que nos conduz a riscos de quedas de fornecimento caso as chuvas não retornem a partir da primavera.

Destaca-se o relevante montante de investimentos direcionados a construção de usinas hidrelétricas sem reservatórios (a fio d’água), as quais são altamente ineficientes em momentos de escassez hídrica, como o caso de Belo Monte que tem gerado somente 3% de sua capacidade, e não contribuem nos momentos em que mais seriam demandadas.

Inflação

Água menos disponível e em competição por diferentes usos gera inflação. Os produtos relacionados a agricultura e pecuária, altos consumidores do recurso natural, padecem em momentos de seca. A falta de chuvas prejudica a produtividade e tem impactos diretos nos custos dos produtores, conta que é repassada para a mesa do consumidor.

No saneamento, a falta de chuvas eleva os custos de tratamento da água, bem como traz a necessidade de acionar caminhões-pipa para abastecimento de áreas mais afetadas. Na energia, em sentido similar, são ativadas as termelétricas. Estas contribuem com grande emissão de gases de efeito estufa e retroalimentação do indesejado desequilíbrio climático, além de envolverem custos muito superiores aos de geração hidrelétrica. Fatores que, por certo, refletem nos bolsos dos usuários, seja em suas contas de energia ou mesmo nos preços de produtos industrializados. 

Criando soluções

Para quebrar essa espiral negativa é necessário desenvolver soluções perenes e sustentáveis. Estabelecer uma visão de ecossistema, que compreenda o meio ambiente como um parceiro do desenvolvimento econômico e não um competidor. Afinal, a água é uma só, independentemente de seus usos. Proteger adequadamente as nascentes, promover o reúso de água (ainda pouco difundido no Brasil) e melhorar a eficiência dos processos de saneamento é urgente.

Segundo estudos do Trata Brasil, as perdas de água nos sistemas de distribuição brasileiros alcançam aproximadamente 40%, o que, considerando a parcela correspondente aos vazamentos, seria suficiente para abastecer mais de 63 milhões de pessoas.

Caso essas perdas fossem reduzidas pela metade, ainda sim, seria possível abastecer mais de 30 milhões de brasileiros. Outro relevante caminho é fomentar a realização de investimentos focados em empresas ESG (Environmental, Social and Governance), que respeitem o meio ambiente, estejam focadas em questões sociais e com critérios rígidos de governança, objetivos altamente relacionados aos setores de infraestrutura, em especial saneamento e energia.

Em momentos de acentuação de efeitos climáticos não faz sentido econômico investir em geração de energia hidrelétrica sem reservação, bem como deve-se ampliar os aportes em fontes renováveis e limpas de energia, até mesmo a nuclear, tão relegada em função de gestão inadequada e acidentes históricos. Por fim, deve-se tornar nossas cidades mais resilientes às mudanças climáticas, educando as pessoas sobre as questões ambientais e preparando-as para prever e lidar com desastres naturais. A participação ativa do poder público é importante, especialmente no que tange a elaboração de planos diretores eficientes e prover soluções para ocupações irregulares.

Absorver o conhecimento do que vem acontecendo é um passo absolutamente essencial para desenhar um futuro melhor, no qual seja possível reverter as externalidades negativas da ação humana no ambiente.

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