Como analisar as dívidas das empresas

Foto: yanalya/Freepik

Por Fábio Sobreira
Analista CNPI-P e Professor da FIPECAFI

Depois de abordarmos alguns dos principais indicadores de “meio-de-campo” e “ataque” da análise fundamentalista, como o ROE e a Margem Líquida, por exemplo, é hora de falarmos de alguns indicadores de “defesa”.

Nenhuma empresa, por melhor que sejam suas margens ou seus retornos, sobreviverá sem uma boa gestão de caixa, e o melhor meio de medirmos a saúde financeira de uma companhia é olhando para sua dívida. Primeiramente, é importante separarmos os conceitos de dívida em Dívida Bruta, que é o montante total devido, e Dívida Líquida, na qual é considerado também o Caixa.

No exemplo acima, a empresa possui 2.000 em Empréstimos, que seria então sua Dívida Bruta, mas como ela tem 1.000 em Caixa e poderia usá-lo para pagar parte desta dívida, caso quisesse, então sua Dívida Líquida é de apenas 1.000.

Temos em nossa Bolsa muitos casos de empresas sem dívidas ou até mesmo com dívidas líquidas negativas, como é o caso da Alpargatas. A empresa teve um pico de altas dívidas entre 2018 e 2020, as quais passavam de R$ 7 bilhões, mas em 2021, além de uma Dívida Bruta de apenas R$ 248 milhões, a empresa apresenta R$ 915 milhões em Caixa, o que lhe deixa com uma Dívida Líquida de R$ -667 milhões.

Não me entendam errado, as dívidas nem sempre são ruins para uma companhia. Quando há oportunidades de crescimento e a empresa não tem recursos próprios para os investimentos, ela pode e deve se endividar, desde que o retorno previsto com estes investimentos seja superior aos juros que serão pagos por causa da dívida.

Em outras palavras, para que o processo de captação de recursos gere benefícios, é necessário que o planejamento do montante a ser captado esteja em linha com a utilização destes recursos e que sejam avaliados os prazos de pagamentos e os juros da dívida em relação à geração de caixa da companhia.

Além disso, no caso das empresas do Lucro Real, há ainda o benefício do abatimento dos juros no valor do IR e da CSLL, o que gera, por si só, um ganho tributário que pode ser muito relevante.

A verdade é que não é tarefa fácil mensurar até onde as dívidas são benéficas ou maléficas para uma empresa, mas há dois indicadores muito importantes e largamente utilizados no mercado financeiro, os quais nos dão algum indício da saúde financeira delas.

O primeiro deles é a Dívida Bruta sobre o Patrimônio Líquido, que mede a alavancagem geral da empresa, ou o quanto ela tem de capital de terceiros em relação ao seu próprio capital. Apesar de esta relação não ser igual para todos os tipos de empresa e setores, um número aceitável geralmente está entre 0,5 e 1, sendo que, no geral, quanto menor, melhor.

Porém, como a necessidade de capital próprio de cada empresa costuma ser diferente dependendo do tipo de atividade que ela exerce, um outro indicador acaba sendo mais eficiente em medir a sustentabilidade das dívidas, que é o cálculo da Dívida Líquida sobre o EBITDA. 

Aqui, geralmente, quanto menor o valor, melhor, pois ele nos dá uma noção de quantos anos uma empresa precisaria gerar de lucro operacional para pagar suas dívidas já descontadas do seu caixa. Apesar de novamente não haver uma regra, valores acima de 3 geralmente são considerados altos.

Há um termo muito utilizado na esfera dos investimentos que é o “Cash is King”. De fato, empresas que têm situações financeiras bem controladas têm maior poder de barganha, além de diminuírem consideravelmente o risco de falir.

Lembrem-se disto, preocupar-se apenas com a eficiência operacional e esquecer-se da gestão financeira é o que leva muitas empresas, grandes ou pequenas, à falência. Em crises como a que vimos nestes últimos dois anos, empresas com boa gestão são aquelas que têm a maior chance de sobreviver, no caso de precisarem “queimar” caixa por um tempo.

Portanto, quando for escolher uma empresa para investir apenas por seus fundamentos, sem olhar para sua cotação, procure por aquelas que tenham retornos e margens crescentes, mas também que apresentem dívidas condizentes com a atividade que exercem.

Saber equilibrar uma boa estratégia de ataque e de defesa é uma das chaves para se chegar ao sucesso nos investimentos, ainda sem olhar para questões relacionadas ao preço das ações, que passaremos a tratar em nosso próximo artigo.

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