Caso Americanas: uma possível recuperação judicial sui generis

Por Alcides Wilhelm

 O ano de 2023 começou movimentado para o setor varejista. A Americanas no dia 11.01 divulgou Fato Relevante, aos seus acionistas e para o mercado em geral, que formam encontradas inconsistências contábeis redutoras da conta de fornecedores realizadas em exercícios anteriores, inclusive 2022, cujo montante estimado é de R$ 20 bilhões.

 A notícia sacudiu os mercados e os setores de contabilidade e auditoria, pois esse “rombo” em suas contas fragiliza a companhia, podendo levá-la a bancarrota. Considerando que no ITR (Informações Trimestrais) de 30.09.2022 a companhia apresentava um patrimônio líquido positivo de R$ 14,7 bilhões, e com o ajuste, caso se confirme aquela cifra, passará para R$ 5,3 bilhões negativos. Uma verdadeira catástrofe contábil.

Considerando os ativos totais apresentados em setembro de 2022, cujo valor representava R$ 47 bilhões, as inconsistências representam aproximadamente 42% daquele valor, ou seja, quando o ajuste contábil for realizado a situação patrimonial representada em seu balanço passará de uma situação de solvência para insolvência.

 Trata-se de fato de extrema gravidade, com consequências civis e criminais seríssimas, caso se confirme que a companhia se utilizou de subterfúgios para demonstrar situação patrimonial e de resultados melhores do que realmente eram. Tal situação induziu investidores a comprar ações por valores muito superiores ao que seria devido, bem como amargarem prejuízos agora pela sua repentina desvalorização, levando, em muitos casos, pessoas a perderem as economias de suas vidas.

            Para piorar ainda mais a situação, as demonstrações contábeis da Americanas eram auditadas por uma das maiores empresas de auditoria do mundo, uma big four, trazendo segurança para o mercado quanto aos números divulgados pela companhia, deixando uma impressão para os investidores e o mercado de que foram ludibriados de forma acintosa.

Para evitar sua quebra, a Americanas ingressou com uma medida cautelar antecedente, evitando com isso que seus credores pudessem adotar as medidas contratuais que possibilitassem a cobrança de seus créditos de forma mais célere. Com isso, a companhia obteve um prazo de 30 dias de proteção para preparar o seu pedido de recuperação judicial, realizando todos os procedimentos e reunindo todos os documentos necessários para o protocolo do pedido de recuperação judicial, conforme estabelece o artigo 51 de Lei 11.101/05 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências – LREF).

Porém, estamos diante de uma situação sui generis, caso confirmado que a companhia agiu de má-fé, e pergunta-se: seria ela merecedora da utilização do instituto recuperacional, considerando que traiu a confiança de todos fraudando a sua real posição patrimonial e de lucratividade e gerando um prejuízo dessa magnitude?

A recuperação judicial tem como premissa básica recuperar empresas viáveis, sérias, comprometidas com a sua função social. Dessa forma, possibilitar o soerguimento da Americanas pelo instituto da recuperação judicial não seria premiar maus administradores e ou estelionatários, criando valor para a companhia novamente com os esforços dos seus credores? Não seria melhor liquidá-la passando os ativos para investidores sérios?

Em síntese, esse é o “x” da questão que deverá ser respondido com rapidez e sabedoria, sendo que o mercado aguarda ansiosamente um desfecho.