Caso Americanas: pagamento antecipado a credores e o princípio da preservação da empresa

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Por Alcides Wilhelm

O caso Americanas está longe deixar os holofotes, sendo que recentemente envolveu-se em mais uma situação polêmica ao sugerir o pagamento antecipado dos credores trabalhistas (Classe I) e os credores microempresas e empresas de pequeno porte – ME/EPP (Classe IV), conforme classificação estabelecida pela Lei n. 11.101/05 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências – LRF), totalizando aproximadamente R$ 192 milhões.

Os recursos viriam de uma modalidade de financiamento denominada DIP – debtor-in-possession (devedor em posse – tradução literal), no valor total de R$ 2 bilhões, que foi introduzida na LRF pela Lei n. 14.112/20, sendo considerado um crédito extraconcursal, ou seja, tem preferência no recebimento em caso de convolação da recuperação judicial em falência, sendo garantido pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, da devedora ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante.

A 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro acatou o pedido da Americanas para que houvesse o pagamento antecipado daquelas classes, sob o argumento, especialmente, de que a recuperação judicial da Americanas vem causando problemas socioeconômicos relevantes para esses pequenos credores e no ambiente onde estão inseridos, bem como o valor de R$ 192 milhões é irrelevante no contexto global, cujo quadro de credores apresentado pela companhia perfazia R$ 41,2 bilhões, sendo ajustado logo em seguida pelos administradores judiciais para R$ 47,9 bilhões.

A referida decisão foi posteriormente revertia pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) a pedido do banco Safra, sob a alegação de que somente após a aprovação do plano de recuperação judicial a ser apresentado pela recuperanda, e aprovado em assembleia-geral de credores (AGC), esses pagamentos poderiam ser realizados, não havendo base legal para a antecipação dos pagamentos, bem como, a medida seria irreversível, podendo ocasionar sérios prejuízos ao soerguimento da companhia.

Por mais nobre que seja a intenção da Americanas e do juízo tentando sanar os problemas que a recuperação trouxe para esses credores hipossuficientes, tal medida não encontra respaldo legal, pois o art. 49 da LRF determina que todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, estão sujeitos a recuperação judicial, exceto exceções listadas, especialmente, nos §§ 3º e 4º.

Assim, a Americanas não poderia propor pagamentos para nenhuma classe de credores sujeitos a recuperação antes de aprovado o plano de reestruturação pela assembleia de credores, sob pena de ferir o princípio da par conditio creditorum (igualdade entre credores), bem como poderia inviabilizar o soerguimento da companhia pela falta dos referidos recursos.

 Possibilitar esse tipo de comportamento traz insegurança jurídica para o mercado, afastando novos investimentos, pois demonstra que as leis em nosso país não são cumpridas nem pelo Poder Judiciário. Cabe apenas ao Poder Legislativo a produção das normas, as quais devem ser interpretadas segundo a intenção do legislador, e não pela vontade do julgador ou da sociedade. Caso a lei não seja mais adequada a realidade social do momento, o caminho é a sua alteração ou exclusão do sistema jurídico. “Dura lex, sed lex” – a lei é dura, mas é a lei.