Caso Americanas: fraude versus função social da empresa

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Por Alcides Wilhelm

Um assunto em alta nas rodas de conversas é se a Americanas seria merecedora da utilização do instituto recuperacional, considerando que traiu a confiança de seus investidores e do mercado em geral, divulgando demonstrações contábeis que não espelhavam a realidade, conforme fato relevante de 11.01.2023, onde menciona que “numa análise preliminar, a área contábil da Companhia estima que os valores das inconsistências sejam da dimensão de R$ 20 bilhões na data-base de 30/09/2022”.

 Uma das principais premissas para utilizar as benesses da Lei 11.101/05, é ter viabilidade de soerguimento, pois, caso contrário, o caminho a ser seguido seria a falência. No caso da Americanas, ainda não se tem conhecimento quanto a essa questão, mas está cada vez mais forte o entendimento de que a companhia fraudou suas demonstrações contábeis, causando um prejuízo aos seus credores e investidores ainda desconhecido, pois as cifras divulgadas em fato relevante representam apenas os montantes não registrados contabilmente.

Em síntese, o prejuízo pode ser muito maior, considerando que os demais credores, cujos valores estavam registrados na contabilidade podem perder seus créditos, seja parcial ou totalmente. Para se ter uma ideia, o quadro-geral de credores que a Americanas apresentou no seu pedido de recuperação judicial perfaz um montante de R$ 41 bilhões.

No entendimento do Poder Judiciário a companhia é merecedora da recuperação judicial, conforme decisão da 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital, Estado do Rio de Janeiro, que concedeu a proteção quando julgou a medida Cautelar Antecedente, deferindo o processamento posteriormente quando do protocolo da ação principal.

Tal decisão foi atacada por diversos credores, especialmente instituições financeiras, acusando a companhia de fraude e não sendo ela merecedora do instituto. Do agravo interposto pelo Banco BTG, é possível extrair: “É o fraudador pedindo às barras da Justiça proteção ‘contra’ a sua própria fraude. (…) É o fraudador travestindo-se como o menino da antiga anedota forense, que, após matar o pai e a mãe, pede clemência aos jurados por ser órfão”.

Porém, não podemos esquecer que a Americanas gera mais de 100 mil empregos, entre diretos e indiretos, recolhendo mais de R$ 2 bilhões em tributos anualmente, tem quase 150 mil acionistas, com receita líquida até 30.09.2022 de R$ 27 bilhões, sendo a maior empresa de omnichannel da América Latina. São números expressivos.

De qualquer forma, a palavra final será dada pelos credores quando da votação do plano de recuperação que a companhia apresentará, onde será analisada a viabilidade do soerguimento e se o custo que os credores terão que assumir é maior ou menor do que uma falência. Caso o esforço da recuperação suplante o da falência, esta deverá prevalecer.

Portanto, acertada a decisão do juízo, preservando a companhia e sua função social, mesmo com o inconformismo de muitos credores, pois ainda não se tem um veredito quanto às fraudes perpetradas, as quais, se confirmadas, dificultarão a aprovação do plano, podendo levá-la a falência, se assim desejarem os credores, devendo os responsáveis serem punidos exemplarmente, civil e criminalmente, e condenados a indenizar pelos prejuízos causados.