As “desigualdades ocultas” e a igualdade de gênero no mercado de trabalho

Foto: Freepik

Por Cíntia Araújo

A pandemia acelerou o processo de redefinição das expectativas das pessoas quanto às suas carreiras e suas metas pessoais. Inclusive, ao redor do mundo tem ocorrido o fenômeno da “Grande Evasão, sobre a qual comentei na coluna do dia 17 de janeiro de 2023[1]

Isto se deu, principalmente, devido ao fato de as pessoas terem passado tanto tempo isoladas dentro de suas casas e preocupadas com os efeitos da crise da COVID-19.  Neste processo, aquelas pessoas que puderam trabalhar em suas casas tiveram que ajustar sua rotina de trabalho à rotina doméstica: trabalhar na mesa da sala de estar, cuidar e educar os filhos que ficaram meses sem poder voltar à escola e se desdobrar para conciliar as tarefas do trabalho com a as tarefas domésticas.

Neste cenário, em que tantos homens quanto mulheres precisaram trabalhar em “home office” e enfrentar os desafios causados pelo fim da divisão física que separava a vida doméstica da vida profissional, vieram à tona as desigualdades ocultas que impactam diretamente nos avanços da tão sonhada e difícil de se alcançar igualdade de gênero no mercado de trabalho.

Para se ter uma ideia, uma pesquisa realizada em 2020, com mulheres que passaram a trabalhar em home office, 57% das 2.641 das entrevistadas afirmou que assumiu a maior parte dos cuidados domésticos, enquanto entre os homens, o índice foi de 21%.  Estes cuidados domésticos vão desde prover a alimentação diária e a limpeza da casa até o cuidado com idosos[2].

Falar sobre a sobrecarga doméstica de mulheres é fundamental para se entender e resolver a questão da desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Esta sobrecarga não somente impede as mulheres de focarem mais no seu desenvolvimento profissional, como também pode acarretar em problemas de saúde física e emocional. Se há alguma dúvida sobre a sobrecarga de afazeres entre as mulheres só precisamos ver os dados: mulheres dedicam 18,5 horas semanais aos cuidados domésticos, enquanto os homens dedicam 50% menos do tempo (10,3 horas).[3]

Os cuidados domésticos estão tão enraizados no nosso dia-a-dia, e por isso, são pouco discutidos e muito pouco valorizados, afinal a pessoa responsável pelo cuidado da casa ou não ganha nada por isso, ou ganha muito pouco, vide a realidade das trabalhadoras domésticas que em sua maioria são mulheres negras (65% das trabalhadoras domésticas são negras[4]).

Por isso, falar sobre as “desigualdades ocultas” existentes no mundo corporativo causadas pela sobrecarga de tarefas doméstica à qual às mulheres têm sido historicamente submetidas é urgente.

As empresas precisam atualizar-se a fim de criar um ambiente de trabalho mais inclusivo para mulheres – e homens – que são responsáveis pelo cuidado de seus familiares (filhos, pais, avós) – as empresas devem investir na flexibilização de processos organizacionais que possibilitem a estes profissionais realizar suas metas de trabalho sem abrir mão de qualidade de vida, implementar benefícios eficazes para cuidado com a saúde de seus funcionários como planos de saúde e iniciativas para prevenção de doenças físicas e emocionais e elaborar planos de carreira com critérios transparentes, objetivos e justos que permitam acesso às oportunidades de crescimento dentro da carreira a TODOS os funcionários.

Outras iniciativas eficazes neste sentido são a implementação de licença de maternidade e paternidade, maior flexibilidade durantes as férias escolares para funcionários com filhos em idade escolar. Há empresas como Google e Cisco Systems que vão ainda mais além, oferendo creche no local de trabalho, fisioterapia e serviços subsidiados de limpeza doméstica[5].

A realidade do Google ou da Cisco pode parecer muito “utópica”. Mas, a mudança sociocultural na qual as empresas estão inseridas é real, e veio para ficar. Formas de trabalho engessadas e focadas no presenteísmo, em que o funcionário ideal é aquele que “vive pela empresa” investindo toda sua energia e tempo exclusivamente no trabalho está ultrapassada[6]. 

Acredito que as empresas precisam focar na excelência em tudo, inclusive e principalmente, na construção uma cultura corporativa mais inclusiva e mais antenada com o século 21. 


[1] Araújo, C. C. S. (2023, January 17). A Grande Evasão e a realidade brasileira. BOLETIM ECONÔMICO FINANCEIRO DA FIPECAFI – DENARIUS. https://denarius.info/a-grande-evasao-e-a-realidade-brasileira/

[2] Mena, F. (2020, August 5). Pesquisa aponta que afazeres domésticos dificultam home office para 64,5% das mulheres. Folha de S. Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/08/pesquisa-aponta-que-afazeres-domestico-dificultam-home-office-para-645-das-mulheres.shtml

[3] Buttoni, F. (2020). Mulheres são mais impactadas com sobrecarga de

trabalho na pandemia. Vagas e Profissões. https://www.vagas.com.br/profissoes/sobrecarga-de-trabalho-na-pandemia/

[4] Vilela, P. R. (2022, April 27). Mulheres negras são 65% das trabalhadoras domésticas no país. Agência Pública. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-04/mulheres-negras-sao-65-das-trabalhadoras-domesticas-no-pais#:~:text=As%20mulheres%20representam%2092%25%20das,inferior%20a%20um%20sal%C3%A1rio%20m%C3%ADnimo.

[5] de Smet, A., Dowling, B., Hancock, B., & Schaninger, B. (2022, July). The Great Attrition is making hiring harder. Are you searching the right talent pools? McKinsey Quarterly.

[6] LinkedIn. (2022). A reinvenção da cultura corporativa – Tendências globais de talentos do LinkedIn 2022.