Apontamentos sobre o compliance do equilíbrio econômico-financeiro dos prestadores de serviços públicos

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Por Frederico da Silveira Barbosa
Advogado e consultor em regulação

Todo prestador de serviço público – entidade pública, estatal ou privada, concessionário, permissionário, delegatário ou autorizatário – precisa ser capaz de demonstrar que as Tarifas ou outras remunerações que lhe cabem estão sendo corretamente calculadas e aplicadas. Essa demonstração é especialmente relevante em relação aos atos que modificam os componentes remuneratórios dos serviços públicos, geralmente com o fim de preservar os equilíbrios econômico-financeiro das relações contratuais, tais como reajustes, revisões extraordinárias, revisões ordinárias ou outras formas de compartilhamento de riscos entre usuários, parceiros públicos e parceiros privados.

Se essas demonstrações de conformidade fossem rotineiras, a conferência e escrutínio público dessas relações público-privadas, por agentes externos independentes – entidades reguladoras setoriais, órgãos de controle interno ou externo da Administração Pública, ministérios públicos e procuradorias de defesa do consumidor, entidades da sociedade civil legitimadas à defesa dos interesses públicos e coletivos e usuários dos serviços públicos -, auditores internos ou externos, órgãos corporativos de compliance e acionistas dos prestadores de serviço público, seriam muito mais efetivos.

Para o compliance do equilíbrio econômico-financeiro das relações contratuais de prestação de serviços públicos, a equação do equilíbrio econômico-financeiro das relações público-privadas de prestação de serviço público precisa ser documentada, o que envolve a formalização de suas principais e mais relevantes funções, nas quais os encargos e retribuições da parceira privada, dentre outros parâmetros da equação, são representados, permitindo que os efeitos econômico-financeiros positivos e negativos dos riscos associados à prestação do serviço público sejam corretamente considerados, especialmente na aplicação de medidas inerentes à gestão do equilíbrio econômico-financeiro.

Dessa forma, as medidas que devem ser tomadas para preservar o equilíbrio econômico-financeiro do Contrato (revisões ordinárias ou extraordinárias e reajustes, por exemplo) podem ser representadas por ajustes nas funções inicialmente previstas ou por acréscimos de funções à equação econômico-financeira original, tornando viável, a qualquer momento, a verificação de conformidade ou auditoria das Tarifas que são cobradas dos Usuários ou dos encargos do Poder Público.

Este contexto ilustra a necessidade de se reconhecer a mutabilidade da equação do equilíbrio econômico-financeiro das relações contratuais, sem o que não se assegura o equilíbrio econômico-financeiro de encargos e retribuições inerentes a essas avenças. Assim, a título ilustrativo, a equação será modificada pelas partes ou por legítima autoridade, conforme for o caso, em casos como os seguintes:

  • Superveniência de atos políticos, inclusive legislativos, alheios à esfera contratual que afetem vetores da equação de equilíbrio econômico-financeiro, como, por exemplo, uma reforma tributária dos tributos incidentes sobre a receita do prestador de serviço;
  • (ii) decisões político/regulatórias que envolvam por exemplo, modificações na estrutura tarifária, estabelecimento de gratuidades, ampliação das exigências sobre o nível de serviço ou de expansões não previstas inicialmente;
  • (iii) ocorrência de eventos de força maior ou caso fortuito. O equilíbrio econômico-financeiro das relações contratuais, em especial as medidas que visam mantê- -las equilibradas, deve ser um componente destacado na política de compliance dos prestadores de serviço público, com intenção de mitigar efetivamente os riscos de violação do equilíbrio dessas relações, o que muitas vezes se dá pela prática de componentes remuneratórios desconformes, em prejuízo dos usuários, dos poderes públicos ou da própria concessionária e de seus acionistas. Naturalmente, as violações em favor da concessionária e em prejuízo dos usuários ou do Poder Público produzem efeitos mais amplos, inclusive em face da legislação anticorrupção, que pune severamente a fraude ou manipulação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos públicos.

A construção de uma política efetiva de compliance envolve, como visto acima, a identificação dos direitos e obrigações que emanam do relacionamento contratual, especialmente das regras de gestão do equilíbrio econômico-financeiro, identificação essa que será o ponto de partida para a construção de entendimento comum entre parceira pública e parceira privada no tocante ao tema, contribuindo para a segurança jurídica dos relacionamentos.

Em linhas gerais, o relacionamento será considerado equilibrado quando o prestador de serviço público tiver cumprido com seus encargos, arcado com as consequências dos riscos por ele assumidos e não estiver suportando impactos positivos ou negativos de riscos que não lhe tenham sido inicialmente atribuídos.

Em outras palavras, para manutenção do Contrato em equilíbrio, as consequências para a parceira privada advindas de riscos alocados à parceira pública ou aos usuários devem ser compensadas, com a adoção de medidas que objetivem: (i) o compartilhamento dos riscos através de reajustes e revisões periódicas ou ordinárias, dentre outras; ou (ii) a compensação da parceira privada através de revisões extraordinárias, reequilíbrios ou recomposições de equilíbrio.

O programa de compliance dos prestadores de serviço público precisa envolver, assim, a verificação de conformidade das ações do prestador, internas ou praticadas nos processos ou procedimentos inerentes à gestão do equilíbrio econômico-financeiro do Contrato, que digam respeito, por exemplo:

– à conciliação da necessidade privada de justa remuneração dos investimentos do prestador com a exigência pública de que os processos deliberativos acerca dos investimentos a serem feitos sejam transparentes e pautados pelo bem comum, âmbito no qual valores como eficiência, eficácia e melhor uso dos recursos públicos e dos usuários precisam ser cotejados;

 – ao cumprimento dos direitos e das obrigações, assim como do provimento das informações relativas a esses cumprimentos e eventuais descumprimentos;

– à matriz de alocação dos riscos do relacionamento, inclusive no tocante à informação acerca das consequências positivas e negativas dos riscos que não são da concessionária;

– à implementação e/ou à conferência dos procedimentos, metodologias e mecanismos contratuais e/ou normativos necessários para a manutenção do relacionamento em equilíbrio.

Uma adequada política de compliance do prestador de serviço precisará contemplar, dentre outras, as seguintes atividades:

– mapeamento adequado dos riscos da execução do Contrato e suas respectivas alocações;

– identificação das possíveis consequências positivas e negativas dos principais riscos, em termos quantitativos e qualitativos;

– acompanhamento e análise de conformidade do cumprimento dos encargos atribuídos ao prestador, especialmente, quando for o caso, da adequação das medidas equilibradoras do relacionamento, em favor do particular, do poder público ou dos usuários;

– acompanhamento e verificação da adequação metodológica e legal dos mecanismos de compartilhamento de riscos (reajustes ou revisões) ou de compensações implementados;

– determinação de ajustes para a correção dos equívocos verificados, evitando-se a configuração de situação de fraude ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos por meio da correção espontânea das falhas verificadas;

– verificação de que as informações processadas por meio dos mecanismos de compartilhamento ou compensação sejam certificadas, sejam essas pertinentes à demanda, à oferta dos serviços, aos investimentos realizados ou a realizar, aos custos de operação e à remuneração do capital;

– preservação das informações empregadas em cada medida de gestão do equilíbrio econômico-finaceiro, pelo prazo mínimo de 10 anos; e

– estruturação e capacitação de seus órgãos internos para o compliance do equilíbrio econômico-financeiro, ampliando as capacidades corporativas de demonstrar a correção dos componentes remuneratórios praticados.

O desenvolvimento e a implementação de programa de compliance do equilíbrio econômico- -financeiro envolve ao menos três fases: (i) modelagem; (ii) implementação; e (iii) efetividade.

A modelagem do programa de integridade deverá contemplar, dentre outras, (i) a avaliação de riscos, (ii) o treinamento e comunicação, (iii) a estrutura de relatórios e processos e o (iv) relacionamento do prestador de serviços com terceiros, no tocante à gestão do equilíbrio econômico-financeiro.

A implementação do programa de compliance dependerá (i) do comprometimento e da conduta íntegra da alta e média direção, (ii) da adequada supervisão à estruturação do programa, (iii) da autonomia funcional e da disponibilidade de recursos, (iv) de estrutura e das qualificações e estatura dos profissionais da área de compliance e (v) dos incentivos adequados e medidas disciplinares previstas.

A efetividade será verificada (i) pelo seu melhoramento contínuo, apurado em testes e revisões periódicas, (ii) pelas investigações de má-conduta, (iii) pelas resposta às investigações e (iv) pela análise e reparação de má-conduta.

É possível que no futuro o acesso a capital com custo mais baixo dependa também da capacidade dos prestadores de serviço público de demonstrar que não estão a onerar indevidamente a coletividade de usuários por eles atendida.

O direcionamento dos programas de compliance dos prestadores de serviço público também à verificação de conformidade da gestão do equilíbrio econômico-financeiro dos relacionamentos é medida que depende de cada prestador de serviço público responsável, mas que poderia ser exigida ou, principalmente, incentivada pelos reguladores e premiada pelos financiadores.

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