A Grande Evasão e a realidade brasileira

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Por Cintia Araujo

Dando continuidade à série sobre temas “quentes” do mundo corporativo, hoje falo sobre a tal da “Grande Evasão”.

Em estudos recentes nos EUA, Ásia e Austrália, o índice de pessoas dispostas a sair de seus empregos atuais, mesmo sem ter outro em vista é de 40%[1].

Neste cenário, é validíssimo questionarmos: será que as empresas brasileiras estão preparadas para a Grande Evasão?

Sinceramente, acredito que é necessário realizarmos análises mais detalhadas sobre este fenômeno dentro da realidade brasileira. Na maioria das vezes, os comentários e análises que encontramos na rede são baseados na realidade americana.

É mais que sabido que para termos uma visão mais assertiva, precisamos considerar as especificidades da nossa realidade. Por exemplo, o país passa por um momento de crise econômica e possível recessão. Certamente, impacta negativamente na abertura de oportunidades de trabalho. Inclusive, na mais recente edição do Boletim Denarius[2], vemos que o índice de desocupação é de 8,7%. Ou seja, 9.5 milhões de pessoas economicamente ativas estão desempregadas!

Daí, podemos pensar: em um cenário de escassez de oportunidades, será que os profissionais brasileiros estão dispostos as sair de seus trabalhos mesmo que insatisfeitos? Será que as empresas e gestores estão realmente atentos às novas necessidades e prioridades de seus liderados num cenário pós-pandemia?

Nos últimos meses, ouvi relatos de que, após a superação do auge da crise da COVID-19, várias empresas reimplantaram a modalidade de trabalho presencial sem, em momento algum, consultar seus funcionários. Detalhe: em muitos desses casos, os índices de produtividade durante o período de trabalho remoto foram iguais ou até superiores aos índices pré-pandemia.

Esta atitude está na contramão do panorama do trabalho do século XXI. Ora, em um panorama em que as pessoas estão cada vez mais focadas na qualidade de vida, equilíbrio e cuidado com a família, “políticas impositivas de retorno ao escritório ou outras medidas presunçosas vindas de cima – por mais bem-intencionadas que sejam – provavelmente terão consequências desafiadoras.” (Smet et al., 2022, p. 5).

Acredito que temos um longo caminho a percorrer. Sem dúvida, há diversos exemplos de empresas e lideres mais “antenados” com as novas tendências do trabalho e da gestão de pessoas. Todavia, há uma grande parcela de exemplos em que a gestão de pessoas é pautada exclusivamente numa relação transacional, em que a única solução para problemas de relação com funcionários são as recompensas financeiras.

Recompensas financeiras são boas, sem sombra de dúvida. Porém, o fenómeno da Grande Evasão nos mostra que cada vez mais as pessoas (especialmente as mais jovens) têm estabelecido novas prioridades para sua vida pessoal e profissional.

É fundamental que as empresas e líderes criem canais seguros e sadios de comunicação com seus funcionários para que saibam o que eles buscam para si: seus sonhos, seus desejos, suas metas pessoais e profissionais, seus medos. Desta forma, será possível desenvolver um ambiente de trabalho que saudável, em que os funcionários se sintam pertencentes e satisfeitos, a fim de amenizar (ou até mesmo evitar) os a perda de talentos causados por este bicho-papão chamado “Grande Evasão”.


[1] de Smet, A., Dowling, B., Hancock, B., & Schaninger, B. (2022, July). The Great Attrition is making hiring harder. Are you searching the right talent pools? McKinsey Quarterly.

[2] Denarius. (2023). Boletim Denarius – 18a. edição. https://denarius.info/wp-content/uploads/2023/01/Boletim-Denarius-Janeiro.pdf