100 Dias de Governo e as Expectativas para a Economia do Brasil

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Por Samuel Durso

O terceiro governo Lula chega ao marco inicial dos 100 dias com grandes desafios para a economia brasileira. Este início de gestão é tido como estratégico para os novos governantes do executivo. É neste momento que os gestores públicos empossados buscam apoio, tanto político quanto social, para o desenvolvimento dos seus projetos. Os 100 primeiros dias representam, portanto, um termômetro para o que está por vir nos quatro anos de mandato.

Apesar de as dificuldades de aliança entre o governo Lula e o congresso brasileiro eleito no último ano já serem esperadas pelos especialistas, tendo em vista a acirrada disputa eleitoral em 2022, o truncamento parece ser maior do que o estimado inicialmente. Nem de longe, os 100 dias do terceiro governo Lula se assemelham com as duas outras gestões do atual presidente. Novos conflitos mostraram-se presentes neste início de gestão, tanto no âmbito interno do Partido dos Trabalhadores (PT) quanto com outros agentes do mercado. 

Do ponto de vista interno, o Ministro da Fazenda escolhido por Lula, Fernando Haddad, precisou utilizar grande parte desses 100 dias para se firmar dentro do PT como o responsável pelo rumo das políticas econômicas do governo. No início do terceiro mandato do presidente Lula, Haddad perdeu uma disputa para Gleisi Hoffmann, atual presidente do partido, ao ver prorrogada a desoneração dos combustíveis, realizada ainda pelo governo Bolsonaro, a qual impacta direta e significativamente nas receitas do governo federal. Defensor da redução das renúncias fiscais, Haddad viu sua credibilidade enquanto ministro da fazenda ameaçada, o que gerou dúvidas no mercado sobre a sua capacidade de controle fiscal neste início de governo.    

Do ponto de vista externo, a queda de braço entre o governo Lula e o Banco Central (BC), que se tornou autônomo em 2021, foi um marco neste início de governo. A escalada de juros realizada pelo Comitê de Políticas Monetárias (Copom), nos últimos anos, para fazer frente ao avanço da inflação, representa um dos principais entraves para as políticas públicas do terceiro governo Lula. Isso porque, com os juros mais elevados, tem-se um desestímulo no mercado interno ao consumo e investimento, uma vez que o acesso ao crédito se torna mais restrito na economia, comprometendo as promessas de campanha realizadas pelo atual mandatário do executivo. 

Neste cenário, as expectativas para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 têm sido mantidas em patamares irrisórios, abaixo de 1%. De forma oposta, mesmo com a manutenção dos juros em níveis elevados, as expectativas para a inflação neste ano se mantêm acima do teto da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 2020. Se as atuais expectativas se concretizarem, pelo terceiro ano consecutivo, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, precisará se explicar para o Ministro da Fazenda e CMN em relação ao não cumprimento da meta estipulada.

A aparente ineficiência da política monetária atual no controle da inflação, assim como a sua ameaça para o crescimento econômico, tem colocado em xeque a autonomia do Banco Central no Brasil e o modelo tradicional de política econômica adotado pelo país. Recentemente, até mesmo Joseph Stiglitz, vencedor do prêmio Nobel de Economia de 2011, criticou o patamar elevado da taxa de juros real brasileira, que representa a maior do mundo, de acordo com o levantamento realizado pela Infinity Asset Management no início deste ano. Esta situação se mostra ainda mais preocupante para o atual governo, que possui uma orientação para as políticas sociais que visam corrigir as iniquidades provocadas pelo mercado. Isso porque as taxas de juros mais elevadas, em conjunto com uma inflação persistente, tendem a prejudicar de forma mais significativa os agentes mais vulneráveis da economia.  

Como uma alternativa para uma melhoria da economia ainda no curto prazo, o governo teve como um dos principais focos a construção de um novo arcabouço fiscal, o qual, ao mesmo tempo em que atrela os gastos do governo à geração de receita, busca retirar o atual engessamento do teto de gastos que impede a realização de políticas públicas importantes para o país. Neste sentido, o novo arcabouço fiscal apresentado pelo Ministério da Fazenda representa o principal marco dos 100 dias do terceiro governo Lula. O projeto, que ainda precisa ser analisado e aprovado pelo Congresso, foi recebido com simpatia por diferentes setores da economia, inclusive pelo presidente do BC. No mercado financeiro, o Ibovespa subiu e a cotação do dólar caiu após o anúncio do projeto.  

Os 100 dias do terceiro governo Lula também trouxeram de volta algumas políticas públicas importantes dos mandatos anteriores dos governos do PT. Entre elas está o novo “Minha Casa, Minha Vida”, lançado em fevereiro deste ano, que busca modernizar o programa habitacional criado em 2009, dando prioridade à população de baixa renda. Apesar de importante do ponto de vista econômico e social, este programa, que também foi um dos pilares de desenvolvimento do primeiro governo Dilma, apresenta como principal entrave a atual taxa de juros do mercado nacional, que torna incerta a realização de novos investimentos pelo setor produtivo. 

Deixando o futuro da economia brasileira ainda mais incerto, no início de abril, alguns dos principais países produtores de petróleo comunicaram uma redução substancial da oferta de barris no mercado mundial, o que deverá encarecer o produto no curto prazo, gerando novos impactos inflacionários ao redor do mundo. Este evento deverá trazer de volta para os holofotes do governo as discussões sobre a política de preços praticada pela Petrobras, as quais influenciam diretamente na geração ou controle da inflação do mercado interno. Alternativas para a política de paridade internacional de preços podem se mostrar úteis para se fazer frente às oscilações da cotação da commodity no cenário internacional, ajudando no controle dos preços no mercado interno. 

Os 100 dias do terceiro governo Lula mostraram que os desafios para a economia brasileira são muitos e, dificilmente, será possível ver um êxito similar ao que foi observado nos mandatos anteriores do presidente Lula. O momento econômico e social é outro, assim como as instituições de poder se mostram diferentes do cenário da primeira década dos anos 2000. Se este início de mandato representar um termômetro real do que está por vir nos próximos anos do terceiro governo Lula, é possível esperar um período de grandes disputas, o que tende a dificultar a implementação de políticas com potenciais de crescimento e desenvolvimento econômico.