Falácias sobre o Rebalanceamento de Carteira

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Por Fabio Sobreira

Quando falamos em rebalanceamento, é normal pensarmos em colocar um percentual desejado para cada ativo em nossa carteira e ir comprando aquelas que estiverem “ficando para trás”, seja com novo dinheiro ou com a venda de outros ativos que dispararam.

Mas a verdade é que os benefícios econômicos futuros de cada ativo mudam constantemente e essa lógica apenas fará sentido se levarmos em conta as circunstâncias que rondam as subidas e quedas de cada um deles, seja de renda fixa ou de renda variável.

Assim, mesmo que tivermos estipulado que nossa carteira deveria conter 25% em ações, brasileiras, 25% em ações estrangeiras, 25% em FIIs e 25% em Renda Fixa, por qualquer critério que tenhamos usado para chegarmos a estes números, precisaremos levar em conta que as situações micro ou macroeconômicas podem e devem, de tempos em tempos, fazer-nos reavaliar os motivos que nos levaram a tais escolhas e, quem sabe, propor uma margem aceitável de oscilação para cada classe de ativos.

Como exemplo, podemos pensar que, quando esta proporção foi feita, os títulos atrelados ao IPCA pagavam uma taxa pré de pouco mais de 3% acima da inflação para títulos públicos, enquanto a SELIC atingiu sua mínima histórica, a 2% a.a. Hoje, com os títulos atrelados à inflação pagando acima de 6% de taxa real e a SELIC beirando os 14%, provavelmente seria necessário um reajuste dessas taxas, a fim de aproveitar melhor o momento da nossa renda fixa, que voltou a ser uma das melhores do mundo em termos reais.

Assim, se for entendido que a estratégia não é mais apropriada, mesmo que a proporção de renda fixa tenha subido para 30 ou 35%, podemos entender que este é um patamar aceitável agora, dadas as mudanças de cenário.

Esta é uma conclusão relativamente simples e que muitos conseguem chegar sem muito esforço, já que é fácil perceber quando um título está mais ou menos atrativo somente pela sua taxa de juros. Já para outros ativos, como as ações, por exemplo, essa conclusão é um pouco mais complicada, porém, ainda mais necessária, pois, no caso de empresas, seu poder de crescimento é quase ilimitado e vender uma ação antes do período certo pode ser a diferença entre uma carteira vencedora e uma perdedora.

É o que Peter Lynch chamava de “tenbeggers”, ou ações que se valorizaram pelo menos 10 vezes, e que hoje é utilizado para definir ativos com grande potencial de crescimento. Muitos gestores, a exemplo de Lynch, têm buscado encontrar essas empresas e, quando a encontram, estão dispostas a abrir mão de crenças e metodologias simplistas para apostar numa forte valorização de seus portfólios.

Como exemplo, temos a Berkshire Hathaway, de Warren Buffet que, a despeito de já ter declarado publicamente que não gostava de investir em empresas de tecnologia, hoje tem mais de 40% de sua carteira concentrada em uma única empresa, de tecnologia, chamada Apple.

No início de 2016, quando Buffet comprou as suas primeiras 32 milhões de ações da maçã por $24,91 (valores já corrigidos pelo split de 4:1 realizado em 2020), o mercado ainda não tinha ideia de como esta participação viria a ser importante no futuro da empresa. Ao final daquele mesmo ano, Buffet já possuía 229 milhões de ações da Apple, as últimas compradas a um preço médio de $28,35, e essa participação passou a representar expressivos 4,49% do Portfólio da Berkshire em 2016.

Nos próximo dois anos, a empresa continuou comprando ações da gigante da tecnologia, encerrando o primeiro ciclo de compras em 2018, quando as ações da Apple já custavam $52,08, quase o dobro do valor inicial, e suas quase 1 bilhão de ações da maçã passaram a representar mais de 20% do portfólio da empresa do mago de Omaha.

Neste mesmo período, a Apple registrou um aumento de 46,73% no seu lucro, que passou de 2,14 dólares por ação em 2016 para 3,14 ao final de 2018, o que provavelmente incentivou Buffet a continuar comprando, mesmo com as altas das cotações.

Fonte: www.statusinvest.com.br

Nos dois anos seguintes, Buffet vendeu mais de 120 milhões de ações da companhia, a preços que chegaram a $120,48 no final de 2020. Neste período, o lucro da Apple subiu apenas 7,64% atingindo 3,38 dólares por ação.

Mesmo após as vendas, ao final de 2020, a participação das ações da Apple no portfólio da empresa de Buffet já passava de 43% contra apenas 11% do Bank of America, segundo colocado na lista.

E quando todos achavam que o romance da Berkshire com a Apple havia se esfriado devido à disparada das cotações da maçã, o mago resolveu comprar quase 8 milhões de ações da empresa, desta vez por um preço que chegou a $168,16. Isso demonstrou que sua fé nos números da gigante estava renovada devido aos seus lucros apresentados em 2021 e 2022, que chegaram a 6,20 dólar por ação, um aumento de 83,43% em relação ao final de 2020.

Podemos ver que, apesar de ter em seu portfólio uma empresa cujo preço médio de compra foi de $37,43 e hoje está sendo negociada próxima dos $156,00, com um ganho de mais de 300%, Buffet não fez o “rebalanceamento de carteira”, deixando que sua principal empresa no portfólio aumentasse o valor de mercado da Berkshire Hathaway, que passou de 400 bilhões em 2016 para mais de 600 bilhões atuais, tendo atingido um topo histórico de 780 bilhões em abril de 2022.

Essa lógica de deixar crescer o que está bom pode ser então aplicada dentro de um mesmo grupo de ativos ou na carteira global, sempre levando em conta o cenário atual, micro e macro, a fim de se obter o máximo de desempenho e evitar vender cedo demais ativos que ainda têm muito o que crescer e gerar ganhos futuros.

Critérios simplistas são bons para ajudar investidores iniciantes a controlar seus ganhos, mas são, muitas vezes, o motivo de comprarmos ativos ruins, que não param de cair, e mantê-los na carteira por mais tempo do que o necessário, atrapalhando nossa estratégia de investimentos.

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